Balanço Geral e os Vencedores do Festival de Cannes 2023
O longa-metragem “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet, ganha a Palma de Ouro
Por Fabricio Duque
Quem está de fora do Festival de Cannes quase sempre pensa que ser credenciado como imprensa é poder tudo. Não, não é. Na verdade não há glamour nenhum. Na maioria das vezes, nós só encontramos uma caos generalizado. Não, também não sou pessimista, e sim, estou a passar um panorama realista. Esse início “pesado” começa bem antes, cronologicamente falando. Realizar meses antes o credenciamento; ser aceito pelo festival; fazer malabarismos financeiros para conseguir a passagem aérea mais barata e para achar a hospedagem mais em conta, mas que seja perto do Palácio dos Festivais (lugar das exibições dos filmes); correr atrás da sorte de uma baixa taxa de câmbio; organizar roupas especiais (visto que Cannes é uma vitrine lobby aberta, quase ilimitada, de oportunidades; e controlar a ansiedade, que vem à jato. Tá, chegou o dia da viagem. Aeroporto, espera, atrasos, escalas, fuso horário, crianças chorando o voo todo, comida processada e sempre o medo de ter a mala perdida. Tá, ao chegar a seu destino: ônibus de Nice para Cannes; pegar as chaves do apartamento; ir para o apartamento; correr para fazer compras no supermercado; jantar; desacelerar; dormir; e finalmente resolver a questão do fuso horário (a novidade aqui é a melatonina em bala). Ufa! Mas vocês devem estar se perguntando: vale à pena toda essa aventura “calvário”, de vivenciar o inferno para chegar ao paraíso? A resposta não poderia ser diferente: não sabemos, mas quando olhamos para a fachada gigante com o cartaz do Festival de Cannes, algo acontece em nosso peito. É como se esquecêssemos de tudo. Somos acometidos de uma felicidade desmedida, de uma sensação infantil de pertencimento. Pois é, estar em Cannes é isso: não dá para explicar.
A próxima etapa é a mais difícil: desacelerar e aproveitar, enquanto pode, porque desde o dia 12, quatro dias antes do festival começar, nós temos que retirar os ingressos pela plataforma. E aí é outro caos. Tremedeira, ansiedade e o medo de não reservar as sessões dos filmes, enfim, tudo isso é instaurado como uma raio, que nos acerta em cheio em nossas mais profundas vulnerabilidades cinéfilas. Mas porquê isso acontece? Será sadismo do Festival de Cannes? Será um “Jogos Vorazes” em versão francesa? Neste momento, não há autoestima que dê jeito. E assim tudo que se desenvolve é um misto de emoções. Vem ainda a pré-produção: compras no supermercado. Sim, eu sou desses que cozinha todos os dias durante o festival. Nunca fico sem meu café da manhã e meu jantar. Economizo e mantenho a rotina, ainda que, logicamente, Cannes peça que eu me farte no meu prato típico: escargot. E ostras. E Crème Brulée. Sim, Cannes parece ser um portal, um mundo paralelo que nos desconecta da realidade (pelos filmes) e nos joga na mais pura das realidades (o tudo ao redor).
É, o Festival de Cannes é exatamente assim. E talvez essa seja sua essência e o motivo pelo qual gera tanta ansiedade. Se no ano passado, Tom Cruise causou euforia com “Top Gun: Maverick”, nesta edição 76, o Festival de Cannes deste ano abalou as estruturas por trazer a pré-estreia mundial de “Indiana Jones and the Dial of Destiny”, com Harrison Ford (que ganhou às pressas uma Palma de Ouro Honorária); apenas uma sessão do novo filme de Martin Scorsese, “Killers of Moon Flowers”. E apenas duas do novo curta-metragem “Stranger Way of Life”, de Pedro Almodovar, sendo que uma era uma conversa com o diretor. Sim, tudo daria se não fosse a enxurrada de influenciadores do TikTok (um dos patrocinadores do evento). Pois é, o festival aumentou sua demanda com 10 mil credenciais para atender esses donos de conteúdos digitais. Isso criou uma “engarrafamentos” de críticos e de “guerreiros” a espera para assistir sessões. Sim, mas também há flores no caminho. O realizador brasileiro Karim Aïnouz foi selecionado com seu filme “Firebrand” (de produção do Reino Unido) para a mostra competitiva a Palma de Ouro. Sim é do Brasil, ainda que a obra seja britânica.
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De 16 a 27 de maio de 2023, o Festival de Cannes apresentou seus júris e seus filmes. O cartaz oficial do festival contou com a atriz Catherine Deneuve (que também foi homenageada com a Palma de Ouro Honorária junto do ator Michael Douglas), criado por Lionel Avignon e Stefan de Vivies em Hartland Villa a partir de uma foto de Jack Garofalo durante uma filmagem de “La Chamade – A Chamada do Amor“ (1968), de Alain Cavalier. Sim, sempre são muitos filmes. A abertura ficou por conta de “Jeanne du Barry”, de Maïwenn; e o encerramento com o novo filme da Pixar, “Elemental”, de Peter Sohn. E sobre a mostra competitiva oficial, o júri teve trabalho. Composto pelo presidente, o diretor sueco Ruben Östlund (que venceu a Palma de Ouro do ano de 2022 com “Triângulo da Tristeza“; junto do ator norteamericano Paul Dano; a roteirista francesa Julia Ducournau; a atriz norteamericana Brie Larson; o ator francês Denis Ménochet; o diretor zambiano-galês Rungano Nyoni; o diretor afegão Atiq Rahimi; o diretor argentino Damián Szifrón; e a diretora-atriz marroquina Maryam Touzani. Eles assistiram 21 filmes. E o resultado: a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2023 foi para “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet.
Nessa seleção oficial, além de “Anatomia de uma Queda” e de “Firebrand”, foram exibidos o turco “About Dry Grasses“, de Nuri Bilge Ceylan; “Asteroid City”, de Wes Anderson; “Banel & Adama“, de Ramata-Toulaye Sy; “Black Flies”, de Jean-Stéphane Sauvaire; “Il sol dell’avvenire”, de Nanni Moretti; “La Quimera”, de Alice Rohrwacher; “Club Zero”, de Jessica Hausner; “Fallen Leaves“, de Aki Kaurismäki; “Four Daughters”, de Kaouther Ben Hania; “Le Retour”, de Catherine Corsini; “Rapito”, de Marco Bellocchio; “Last Summer”, de Catherine Breillat; “May December”, de Todd Haynes; “Monster”, de Hirokazu Kore-eda; “The Old Oak”, de Ken Loach; “Perfect Days”, de Wim Wenders; “La Passion de Dodin Bouffant”, de Tran Anh Hung; “Youth (Spring)”, de Wang Bing; e “The Zone of Interest”, de Jonathan Glazer. Todos eles com críticas no Vertentes do Cinema (só clicar no nome do filme).
Este ano, o Festival de Cannes foi tão corrido, que alterou a programação de todos. Nossa lista de filmes também. Sempre consegui assistir a competição inteira, mais a mostra Un Certain Regard inteira, mas os filmes brasileiros (“Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho; “Levante”, de Lillah Halla, e também nossos preferidos, nas outras mostras paralelas. Mas nessa edição, penei para conseguir assistir da competição. Consegui, mas deu trabalho. Entre trancos, barrancos, muita cinefilia e alegrias, o Festival de Cannes 2023 chega ao fim com essa matéria. Confira a seguir a lista completa dos vencedores! E sim, que venha o Festival de Cannes 2024.
LISTA COMPLETA DOS VENCEDORES DO FESTIVAL DE CANNES 2023
MOSTRA COMPETIÇÃO OFICIAL
PALMA DE OURO
“Anatomie d’une chute”, de Justine Triet (França)
GRAND PRIX
“The Zone of Interest”, de Jonathan Glazer (Reino Unido/Polônia/EUA)
MELHOR DIREÇÃO
Trần Anh Hùng, por “La Passion de Dodin-Bouffant”
PRÊMIO DO JÚRI
“Kuolleet Lehdet (Les Feuilles Mortes)”, de Aki Kaurismäki (Finlândia)
MELHOR ROTEIRO
“Kaibutsu (Monster)”, escrito por Yûji Sakamoto
MELHOR ATRIZ
Merve Dizdar, por “Kuru Otlar Üstüne”
MELHOR ATOR
Koji Yakusho, por “Perfect Days”
PALMA DE OURO | CURTA-METRAGEM
“27”, de Flóra Anna Buda (Hungria/França)
MENÇÃO ESPECIAL | CURTA-METRAGEM
“Fár”, de Gunnur Martinsdóttir Schlüter (Islândia)
CÂMERA DE OURO | Caméra d’Or
“Bên trong vỏ kén vàng”, de Thien An Pham (Vietnã) (Quinzena dos Realizadores)
LA CINEF
1º Prêmio: “Norwegian Offspring”, de Marlene Emilie Lyngstad (Dinamarca) (Den Danske Filmskole)
2º Prêmio: “Hole”, de Hwang Hyein (Coreia do Sul) (KAFA)
3º Prêmio: “Ayyur”, de Zineb Wakrim (Marrocos) (ÉSAV Marrakech)
PRÊMIOS FIPRESCI | Federação Internacional de Críticos de Cinema
Competição Oficial: “The Zone of Interest”, de Jonathan Glazer (Reino Unido/Polônia/EUA)
Un Certain Regard: “Los Colonos”, de Felipe Gálvez (Chile)
Semana da Crítica/Quinzena dos Realizadores: “Levante”, de Lillah Halla (Brasil/Uruguai/França)
L’Œil d’or (Olho de Ouro) | MELHOR DOCUMENTÁRIO
“Les Filles d’Olfa”, de Kaouther Ben Hania (Tunísia)
“Kadib Abyad”, de Asmae El Moudir (Marrocos)
JÚRI ECUMÊNICO | MELHOR FILME
“The Old Oak”, de Ken Loach (França)
QUEER PALM
Melhor longa-metragem: “Monster”, de Hirokazu Koreeda (Japão)
Melhor curta-metragem: “Boléro”, de Nans Laborde-Jourdàa (França)
PALM DOG
Border Collie Messi em “Anatomie d’une chute”, de Justine Triet
QUINZENA DOS REALIZADORES 2023
PRÊMIO SACD (Society of Dramatic Authors and Composers)
“Un Prince”, de Pierre Creton (França)
LABEL CINEMA EUROPA | MELHOR FILME EUROPEU
“Creatura”, de Elena Martín (Espanha)
CARROSSE D’OR
Souleymane Cissé
SEMANA DA CRÍTICA 2023
GRANDE PRÊMIO
“Tiger Stripes”, de Amanda Nell Eu (Malásia/Taiwan/Singapura/França/Alemanha/Holanda/Indonésia/Qatar)
PRÊMIO DO JÚRI
“Il pleut dans la maison”, de Paloma Sermon-Daï (Bélgica/França)
PRÊMIO LOUIS ROEDERER FOUNDATION | REVELAÇÃO
“Jovan Ginić”, por Lost Country
MELHOR CURTA-METRAGEM
“Boléro”, de Nans Laborde-Jourdàa (França)
PRÊMIO GAN FOUNDATION DE DISTRIBUIÇÃO
“Inshallah a boy”, de Amjad Al Rasheed (Jordânia/França/Arábia Saudita/Qatar) (Pyramide Films)
PRÊMIO SACD (Society of Dramatic Authors and Composer)
“Le Ravissement”, escrito por Iris Kaltenbäck (França)
PRÊMIO CANAL+ | CURTA-METRAGEM
“Boléro”, de Nans Laborde-Jourdàa (França)