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De Volta à Corséga

Em busca do passado para começar o novo de novo

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Cannes 2023

De Volta à Corséga

É inerente a todo e qualquer ser humano a inquietação. Há sempre uma busca latente por uma mudança e por um novo sentido do já equilibrado  e confortável do estágio. Talvez isso se explique por causa de que esses indivíduos possuem o movimento em suas essências. Nada pode ser estático. Esse é o ponto de partido do longa-metragem “De Volta à Córsega”, exibido na mostra competitiva a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2023. Aqui, suas personagens desejam essa alteração do agora pelo querer de reencontrar o passado. De acalentar a vontade, alimentada por anos, de reviver o antes no presente e de apresentá-lo aos filhos, as novas gerações que precisam conhecer o lugar em que tudo começar para assim compreender melhor a própria história da família. O filme é sobre todos esses conflitos entre comportamentos, os modernos versus os tradicionais, quinze anos depois (que podemos até viajar um pouquinho e encontrar a metáfora de um novo debut). 

Dirigido pela realizadora francesa Catherine Corsini (de “A Fratura”, “Um Belo Verão”), “De Volta à Córsega” segue sua narrativa pelo tom naturalista, em que toda essa estrutura coloquial imerge mais o público a uma experiência sensorial. Não só assistimos, mas especialmente sentimos os medos, as angústias, as projeções, os descasos, as ansiedades e as necessidades de que tudo ali represente pelo menos algum sentido, nem que seja pelo viés turístico. Há um que atmosférico dos Irmãos Dardenne com um que de Abdellatif Kechiche, de vida acontecendo em iminência do novo, talvez por sua câmera subjetiva e próxima retratando a intimidade de uma família preta num cenário do interior da França. Talvez por conta de sua fotografia cotidiana que remete o fim de tarde, que mais parece um cartão postal. 

Toda essa naturalidade existencialista de “De Volta à Córsega” acontece pela forma que as ações e reações são apresentadas. Há as brincadeiras e cumplicidades entre as irmãs. Há a perspicácia empática da mãe em entender os porquês de suas filhas. Aqui não há espaço para sensibilidades. As personagens, especialmente a filha, rebate as ofensas recebidas. Enfrenta com pavio curto, entre o groove e o hip hop francês, com deboche e com a resposta passiva-agressiva. São reativos. E assim, o filme desenvolve toda a sua antropologia em estudar os seres humanos enquanto indivíduos social, influenciados pelo racismo estrutural e pela obrigação se ser subserviente. Essa mãe preta é praticamente “babá de rico abusado”. Já as filhas embarcam numa aventura de descoberta ao desconhecido, de ilegalidades, sexualidades, afinidades e “futuros”, potencializada pela já típica estrutura do novo cinema francês em estar sempre alerta e agressivo em traduzir suas imagens. Toda essa estética luz do sol é a cor mais quente busca influência de todos os lados para seguir seu ritmo. Essa “ilha” não tem medo de ser traduzida. Tampouco pudor. Muito menos preocupações excessivas com o moralista politicamente correto. Se é preciso violência física para dar veracidade à trama, então terá violência física.

“De Volta à Córsega” também é sobre preconceitos enraizados. De medos-feridas em embates-argumentos. “Faça o que quer, mas não precisa mostrar”, diz a mãe, ainda antiquada que ainda se preocupa com as represálias do que os outros irão pensar. “Destino”? “Coincidência”? O longa-metragem também se comporta por núcleos, como se fosse uma novela, talvez com o intuito de criticar uma pseudo segmentação de ambientes. Sim, chega a ser lógico que é difícil manter todo um filme assim. É inevitável que em alguns momentos, o roteiro precise apelar um pouco e facilitar as reviravoltas das vidas das personagens, inclusive pelo meio de flashbacks. Mas logo o tom volta ao realismo sensorial. Nós sentimos cada emoção delas. 

Toda essa intimista crônica revela, espelha e retrata uma questão extremamente delicada e preocupante em nossa sociedade. E é isso que “De Volta à Córsega” quer abordar. Ainda que o filme se paute na movimentação de uma busca ao passado, o que realmente nós captamos é o que está por trás de toda essa causa e consequência. E de como o mundo se tornou. E de que ainda somos os menos seres humanos instintivos, selvagens e egoístas de antes. Sim, apesar de um final com um que de feliz, a existência delas seguirá seu curso, com todas as adversidades e a necessidade impositiva de se ter atitude. De lutar por espaços. “De Volta à Córsega” representa uma contundente história de que respiros e permissões para acalentar almas só duram pouco tempo, talvez enquanto o sol mostre sua luz. Ao voltar para encontrar um algo, outro algo é apresentado como ressignificado em línguas francesa, inglesa, corsa, wolof e italiana. 

4 Nota do Crítico 5 1

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