Mostra Um Curta Por Dia 2025

Mickey 17

Distopia alegórica em busca do elemento humano

Por Fabricio Duque

Festival de Berlim 2025

Mickey 17

Parasita. Ser vivo que retira os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento de outro ser vivo. Se pensarmos assim, todos nós somos parasitas de alguém ou de alguma coisa. E o cinema de Bong Joon Ho vem para metaforizar toda essa cadeia psico-alimentícia. As obras do realizador sul coreano buscam comportar-se como uma organismo vivo e em movimento da própria vida. Seu mais recente filme, que chega hoje aos cinemas do Brasil e do mundo, simultaneamente, após ter tido a grande pré-estreia no Festival de Berlim deste ano, “Mickey 17”, é, acima de tudo, e propositalmente, uma ode ao simbolismo desses seres à margem, os imigrantes, “vermes” (a la “Duna”) que “atrapalham” a “ordem natural” da “raça pura” da sociedade. Bong, que aqui realiza uma obra com DNA mais ocidental a Hollywood, ainda que com alma britânica (pelo talvez indicativo da pronúncia menos norteamericana de Mickey), quer nos causar pela estranheza, desconstruindo o tom naturalista à atmosfera perceptiva do absurdo e surreal, para assim criar uma imersão crítica-alegórica ao realismo coloquial do ridículo, e desmascarar a hipocrisia, co-dependente, e de retroalimentação, dos indivíduos, que ainda precisam disso para sobreviver coletivamente. 

“Mickey 17” então quer desenvolver sua trama pela ficção científica, numa distopia tecnológica, gênero esse, que, por si só, já traz a característica intrínseca de uma atmosfera mais irreal, mais conduzida ao exótico, mais alegórica, mais teatralmente imagética e mais afetadamente maniqueísta, para que assim se potencialize a crítica de “nova sociedade”, em comportamentos atávicos, ridículos e radicalmente idiossincráticos, únicos do próprio querer.  Joon Ho põe em questão a perda da humanidade dos povos atuais (projetados no futuro), que “descarta seres empregados” e os “imprime” de novo. Essa desistência empática já é um sintoma muito comum em nossa contemporaneidade. Sim, mas talvez “Mickey 17” queira inserir muita coisa em sua narrativa. Quer tudo. Todas as metáforas políticas, simbolismos existenciais, mortes filosóficas e pautas identitárias sobre imigração, natureza e o próprio mundo que vivemos. Isso faz com que o filme fique solto demais, de anarquia ingênua. 

Este longa-metragem é um projeto grandioso. Bong Joon Ho já tinha mergulhado em “ filmes-processo-caos”, como foi o caso de “Expresso do Amanhã”, uma sátira sobre aquecimento global. Só que aqui, o realizador “viaja” ainda mais. Sim, lógico que cada filme é diferente, e nós, espectadores, por mais que busquemos o tom a la “Parasita”, entendemos que os diretores têm mais que fazer obras diferentes. Mas talvez a euforia da construção (e da liberdade do poder tudo) atrapalhe a forma como se lida com o complexo. “Mickey 17”, baseado no livro homônimo de Edward Ashton, é também acima de tudo uma experiência, sensorial, metafísica e de realidade ficcionalizada. Este é um filme-evento, em ações-evento e edição-evento. Tudo precisa ser dogmático, protocolar e espetaculoso. É como se estivéssemos ambientados dentro de um sonho vívido numa intermitente ruptura inter dimensional. Quase uma “A Origem”. E/ou “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Só que muito mais próximos do real. 

Dessa forma, “Mickey 17” busca uma narrativa mais didática, em que fluxos de pensamento (pelo humor mais constrangedor) narram a história e/ou suas personagens verbalizam tudo o que acontece, “mastigando” sistematicamente tudo para o espectador e o “impedindo” de não entender alguma coisa. Aqui, o ator Robert Pattinson (que gosta de escolher papéis desafiadores e mais “estranhos”, como “Cosmópolis”, por exemplo) encarna ao mesmo tempo dois seres-astronautas “descartáveis” não “asseguráveis” (que fazem o “trabalho sujo” – da radiação cósmica do espaço; para a cura para vírus; para encontrar novas espécies, estas que são os representantes verdadeiros dos povos originários – e perigoso por não terem direito à vida – isso talvez tenha um que da história das pessoas pretas?) em busca de sobrevivência. Pelo medo da lembrança da dor do morrer. Pois é, a questão de clones (cópias-duplos-múltiplos) já foi amplamente aprofundada pelo ciência e pelo cinema. Assim, “Mickey 17”, contado em “terras”, fica mais naif, mais superficial no argumento abordado, deixando então mais evidente sua forma criativa, propositalmente bagunçada no caos do “planeta podre”, mas over demais. Como a paródia com a música “Like a Virgin”, da Madonna. E/ou com o piercing do cameraman. E/ou a mesma casa -cenário de seu filme anterior.

Temos em “Mickey 17” a “expedição de um político fracassado” (que, sem sombras de dúvida, é representação de Donald Trump) buscando a “supremacia da raça branca” (alusão ao Nazismo). Entre resíduos “juntos”, matérias-primas (sem “calorias extras”),  drogas não diluídas, espinha espremida, “memórias demais”, este longa quer normalizar a estranheza e criar a sinestesia do orgânico, do fisiológico, do elemento humano (que se acostuma a tudo, até a morrer) e da transmutação das substâncias. Sim, é tanta coisa junta que até cansa. Há tango, ensaio a relacionamentos modernos e abertos, “sanduíche de Mikey”, manipulação do do fraco versus o esperto. “Mickey 17” é exagerado, caótico, pirado, perdido, sem rumo, amador em muitos momentos, fica mais sentimental e sensível, mesmo após seis meses, e não tem nenhuma cena pós-créditos. É, talvez “Mickey 17” (que junta o 18) precisasse de uma reimpressão. Talvez “Mikey 19” (um novo tratamento de roteiro) pudesse “consertar” as fragilidades inerentes e estruturais deste filme. Talvez tenha faltado mais Bong Joon-ho. É, talvez seja um filme com “talvez” demais. 

3 Nota do Crítico 5 1

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