Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro
O mais politizado festival do país anuncia seus Candangos vencedores, premiando “Por Onde Anda Makunaíma?” como Melhor Filme
Por Fabricio Duque
Os tempos modernos do “novo normal”, devido à crise pandêmica mundial do Coronavírus, não só precisaram se “reinventar” (verbo definidor de todo esse processo humanitário de preservação da própria sociedade), mas principalmente manter a sanidade pela presença ativa e marcante da arte. O cinema acalentou (e acalenta, visto que ainda sofremos o medo do contágio) nossos tédios pelos frenéticos, plurais, quantitativos e qualitativos festivais online. Um formato novo que logo foi absorvido. Os debates pós filmes acontecem por Lives (permitindo inclusive que o público possa estar junto nas casas-cenários dos representantes da sétima arte). O 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro ainda precisou resolver outro desafio: o de transpor a mesma força, potência, vaias, aplausos e discussões acaloradas do físico-presencial ao virtual.
Convidado pelo Secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Bartolomeu Rodrigues (que bateu o martelo e teimou em realizar em “apenas 75 dias” o Festival de Brasília 2020), Silvio Tendler aceitou a responsabilidade da curadoria e da Direção Artística do festival considerado bem imaterial da Cultura. Com ajuda do vice-curador Ricardo Cota, que durante anos orquestrou a Cinemateca do Museu do Arte Moderna do Rio de Janeiro, o cineasta-documentarista retoma a Brasília com uma “gigante capacidade em aglutinar e de reunir todo o cinema brasileiro, com todos em torno do festival, que seria impossível sem ele”, nas palavras de Cota.
Em 1996 (o “festival da Retomada”), Silvio foi curador do Festival de Brasília quando era Secretário da Cultura e Esporte. “Tudo é cinema. Imagens, sons, sonhos, arquivos, delírios estão nos meus filmes. O cinema não oferece um formulário padrão. Cada filme é uma realidade em si. Cada filme eu trago uma linguagem. Cada imagem que recebo, imagino um filme”, complementa.
Cobertura diária do Vertentes do Cinema
Tudo Sobre a Repescagem da Mostra Paralela Online
Tudo Sobre o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2020
Toda a edição 2020 gerou uma trindade de substantivos: resistência, reinvenção e pluralidade. E além de uma seleção que programou 5 documentários dos 6 filmes da mostra competitiva oficial. O 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro conseguiu a façanha de importar a nostalgia principalmente pelas mesas-debates, assistidas por mais de 12 mil pessoas de 15 a 21 de dezembro, como por exemplo, “BRASÍLIA 60 ANOS: FILMES E PERSONALIDADES QUE MARCARAM O FESTIVAL DE BRASÍLIA (NOVA GERAÇÃ0)”, com Paulo Caldas, Claudio Assis, Maya Darin, André Xará, Lino Meireles, Anne Celestino e Paula Gaitan em que o realizador de “Amarelo Manga”, com sua intrínseca verve agressiva, tensionou o público e os convidados à ponto de remeter o debate “Vazante”, de Daniela Thomas, em 2017. Sim, um momento desagradável, mas que representou a essência passional do festival mais politizado da História do Cinema Brasileiro. Foi também aqui que o Sr. Cota superou suas piadas, listando os quatro momentos clássicos das Lives. O colaborativo “Você tá sem som!”; o assustado “Xi, travou!”; o infantil “Posso ir?” e o espírita “Vocês estão me ouvindo?”.
Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro
Uma das novidades foi a Mostra Paralela Online, comandada pelo cineasta e produtor Cavi Borges. Silvio Tendler, querendo levar inovação e reinvenção ao Festival de Brasília, o convidou para integrar a equipe de curadores com a Mostra Paralela Online que exibiu 34 filmes disponíveis gratuitamente pelo site da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec), de 15 a 20 de dezembro. E hoje, dia 22/12, ganha repescagem e filmes extras (confira aqui).
“O Festival de Brasília está selecionando apenas seis longas. A Mostra Paralela dará oportunidade de expandir a programação virtual e o acesso, visto que os filmes serão vistos por um maior número de pessoas direto de suas casas. São filmes importantes e filmes censurados que passaram nas edições anteriores do festival, filmes que se relacionam com as mesas de debates da edição de 2020, filmes que se encaixam no perfil de cinema de invenção de ontem e hoje e filmes descobertos pela nova geração. E tudo online, que veio para ficar. É um orgulho estar apresentando esta primeira mostra online do Festival de Brasília.”, disse Cavi Borges.
Cada um dessas mesas não só expandiu nossas percepções como coroaram a cinefilia, esse amor estranho e incondicional que temos pela sétima arte. A Cerimônia de Premiação anunciou seus vencedores ontem, segunda-feira, dia 21/12, às 15:00. Apesar do atraso online de mais de quarenta minutos, nós espectadores entendemos os percalços e desafios deste novíssimo processo de adaptação. Contudo, um setor saiu prejudicado. Em nenhum momento durante o festival, na premiação, a Imprensa e Críticos de Cinema receberam agradecimentos e tampouco na Carta lida (confira a íntegra abaixo). O FBCB é uma realização da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do Distrito Federal.
Érica, Sérgio, Myrna, Carina, Carlos, Beth, Liloy, Ana Maria, Anna Karina, Clementino, Glória, João, Solange, Graciela, Tânia, Sol, Carlos Alberto, Rodrigo, Joel Zito, André, entre tantos outros, participaram dos “quadradinhos” da cerimônia, um “mosaico maravilhoso”, apresentado por Sergio Maggio e Catarina Accioly, além do secretário Bartolomeu Rodrigues e os curadores Silvio Tendler (“a alma do festival”) e Ricardo Cota. “Um aeroporto seguro de que o mundo será melhor por uma radiografia sincera e plural a partir dos 698 filmes recebidos, porque o cinema precisa sobreviver”. ”Eu assumo publicamente todos os erros e não me envergonho, na verdade me orgulho deles. Viva a vaia!”, discursou Bartolomeu Rodrigues no encerramento do Festival de Brasília 2020.
“Uma poderosa reunião de talentos e discussões de altíssimo nível sobre um Brasil forte brilhante, potente e insurgente”, disse o Júri. A cerimônia também divulgou a Carta de Brasília, “bastante representativa e uma plataforma de discussões”, que foi lida por Graciela Guarani, “indígena, cineasta e mulher” (nas palavras em ordem de Silvio Tendler), ao som de pássaros ao fundo. A tarde encerrou-se com uma homenagem póstuma à atriz Nicete Bruno, falecida recentemente.
Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro
No release oficial. Ele saiu do fundo da mata virgem brasileira e desembarcou no coração do Planalto Central para abocanhar o Candango de Melhor Filme da Mostra Oficial de Longas-metragens. “Por Onde Anda Makunaíma?”, de Rodrigo Séllos, foi o grande vencedor do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, cuja premiação foi ao ar nesta segunda (21), pelo canal do YouTube da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec).
Primeira produção de Roraima a participar da mostra, o projeto se debruça sobre a origem indígena de um dos personagens mais marcantes da literatura brasileira, imortalizado por Mário de Andrade, evidenciando as influências e ramificações desta lenda em vários segmentos da cultural nacional, do teatro ao cinema, além de enredo de samba.
É, de todos os trabalhos que competiram na 53ª edição do Festival de Brasília, o que melhor se identifica com a cultura de invenção narrativa e espírito memorialístico do mais tradicional evento do gênero no País.
Foram seis dias de intensos debates, troca de impressões e reflexões pertinentes sobre o fazer do audiovisual no Brasil, tendo como prisma a exibição de 30 produções nas três mostras competitivas. São trabalhos que privilegiam o resgate e a memória do cinema nacional, dando voz a todos os atores da sociedade brasileira, mostrando, com isso, a força da diversidade e pluralidade do nosso cinema.
O júri – composto pela atriz e cineasta Ana Maria Magalhães, o cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo e a produtora e curadora Ilda Santiago – concederam ainda o Prêmio Especial do Júri ao documentário “Ivan, o TerrirVel”, de Mario Abadde, uma homenagem ao mestre do gênero do terrir Ivan Cardoso. O belíssimo trabalho de edição de Marta Luz em “A Luz de Mario Carneiro”, de Betse de Paula, também foi reconhecido com o Prêmio Especial pela Montagem.
Um poderoso retrato sobre a luta pela moradia e o pertencimento urbano na periferia de Belo Horizonte, o documentário “Entre Nós Talvez Estejam Multidões”, da dupla Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito levou o Prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) de melhor longa-metragem.
Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro
O Prêmio de Melhor Curta-Metragem da Mostra Oficial do 53º Festival de Brasília foi para a distopia política “República”, de Grace Passô, que também foi agracida pelo Prêmio Abraccine no formato. Marcado por uma narrativa atmosférica e fantasmagórica, que lembra a triste herança da escravidão no Brasil, o documentário “A Morte Branca do Feiticeiro Negro” deu ao jovem Rodrigo Ribeiro o Prêmio de Melhor Direção.
Filme de estreia da diretora Tamiris Tertuliano, o curta de ficção paranaense “Pausa Para o Café”, que narra encontro entre duas mulheres no intervalo do trabalho para aborda assunto delicado, foi o grande vencedor da categoria, abiscoitando três Candangos: o de Melhor Atuação para a dupla de atrizes, Maya e Rosana Stavis, de Melhor Montagem e de Melhor Roteiro.
O júri – composto pelo jornalista e escritor Carlos Marcelo, a cineasta Graciela Guarani e a produtora e diretora Liloye Boubli – premiou ainda os seguintes trabalhos: Melhor Fotografia para Gustavo Pessoa, da ficção científica pernambucana “Inabitável”; Melhor Direção de Arte para Cris Quaresma, do maranhense “Quanto Pesa”; e Melhor Som para o trio Anna Luísa Penna, Emilio Le Roux e Fredshon Araújo, do drama baiano “Distopia”. O júri ainda reverenciou com menção honrosa o elenco do pernambucano “Inabitável”.
Documentário que resgata a história de uma das menores etnias indígenas do País, “A Tradicional Família Brasileira KATU”, de Rodrigo Sena, foi contemplado com o Prêmio Especial do Júri e com o novo Troféu Cosme Alves Netto, criado especialmente para essa edição pela Anistia Internacional Brasil em reconhecimento à obra que melhor defende nas telas os direitos humanos e pilares humanistas.
O tradicional júri organizado pelo Canal Brasil, formado pelos jornalistas e críticos de cinema Ricardo Daehn, Maria do Rosário Caetano e Luiz Zanin, condecorou o catarinense “A Morte Branca do Feiticeiro Negro”, de Rodrigo Ribeiro, com o Prêmio Brasil de Curtas.
Uma mistura de faroeste com contundente crítica social, “Longe do Paraíso”, único filme de ficção na disputa da Mostra Oficial de Longas, dirigido pelo veterano cineasta Orlando Senna, foi o Melhor Filme do Júri Popular, com 333 votos – 112 a mais do que o segundo colocado, o grande campeão do evento, “Por Onde Anda Makunaíma?”.
A história de uma mulher apaixonada pela arte de cantar nos karaokês da noite cearense, registrado pela dupla Sávio Fernandes e Muniz Filho em “Noite de Seresta”, caiu no gosto do popular, recebendo quase 61% dos votos dos curtas da Mostra Oficial.
Não deu outra. Um relicário afetivo cheio de recordações e histórias marcantes sobre a mais importante mostra de cinema do País, o documentário, “Candango: Memórias do Festival”, de Lino Meireles, levou o Troféu Câmara Legislativa de Melhor Filme da Mostra Brasília. A produção também foi o preferido do público em votação on-line, com quase 45% dos votos populares. De quebra, o longa arrematou o Prêmio Marco Antônio Guimarães, em reconhecimento ao trabalho de pesquisa realizado.
O curta de ficção “Do Outro Lado”, de David Murad, levou o Prêmio de Melhor Filme na categoria na Mostra Brasília, narrando o drama de uma criança de nove anos em buscar de descobertas e aventuras. Enquanto a condução lírica de Letícia Castanheira no documentário “Eric” rendeu à cineasta o Prêmio de Melhor Direção. “Eric” também foi o preferido do público. A história do garoto com Síndrome de Down e dificuldades de se comunicar foi o mais querido curta do público da Mostra Brasília, com 19,3% dos votos.
Uma discussão sobre os efeitos e paranoias das redes sociais na sociedade de hoje, o curta “Algoritmo”, de Thiago Foresti, levou dos Candangos de Melhor Direção de Arte e Edição para a dupla William Jungmann e Daniel Sena.
O júri da competição paralela formado pela atriz e cineasta Catarina Accioly, a diretora e produtora Débora Torres e o jornalista e escritor Sérgio de Sá contemplou o trabalho do veterano, Jorge Bodanzky. Precioso resgate pessoal sobre o surgimento da Universidade de Brasília (UnB), “Utopia e Distopia” levou o Prêmio Especial do Júri.
Na categoria de curtas, o mesmo reconhecimento foi estendido ao documentário “Rosas do Asfalto”, de Daiane Cortes, registro humanizado sobre o drama de pessoas da terceira idade que fazem do sexo uma forma de sobrevivência.
Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro
CONFIRA A LISTA COMPLETA DOS VENCEDORES
TROFÉU VERTENTES DO CINEMA
Melhor Longa-metragem
(Betse de Paula, Documentário, RJ, 73 min, 2020). Pela nostalgia cinéfila de resgatar e personificar a História do próprio Cinema Brasileiro.
Melhor Curta-Metragem
A Morte Branca do Feiticeiro Negro
(Rodrigo Ribeiro, Documentário, SC, 11mim). Pela potência-vanguarda em traduzir com imagens uma ferida ainda aberta de nossa História.
VENCEDORES OFICIAIS
JÚRI POPULAR
Melhor Longa-Metragem Mostra Competitiva Oficial
(Orlando Senna, Ficção, BA, 103min) – (38,4%)
Melhor Curta-Metragem Mostra Competitiva Oficial
(Muniz Filho, Sávio Fernandes, Documentário, CE, 19min) – (60,7%)
Melhor Longa-Metragem Mostra Brasília
Candango: Memórias do Festival
(Lino Meireles, Documentário, 119min) – (44,8%)
Melhor Curta-Metragem Mostra Brasília
Eric
(Letícia Castanheira, Documentário, 13min) – (19,3%)
MOSTRA OFICIAL DE LONGA-METRAGEM
Júri: Ana Maria Magalhães, Joel Zito Araújo e Ilda Santiago.
Melhor Filme
(Rodrigo Séllos, Documentário, RR, 84 min). Filme cedido pelo Canal Curta!.
Prêmio Especial do Júri
Ivan, O TerrirVel (RJ)
(Mario Abbade, Documentário, RJ, 103 min)
Prêmio Especial pela Montagem
(Betse de Paula, Documentário, RJ, 73 min)
Filme cedido pelo Canal Curta!
MOSTRA OFICIAL DE CURTA-METRAGEM
Júri: Carlos Marcelo, Graciela Guarani e Liloye Boubli
Melhor Filme
(Grace Passô, Ficção, SP, 15m30s)
Melhor Direção
Rodrigo Ribeiro, por A Morte Branca do Feiticeiro Negro
(Rodrigo Ribeiro, Documentário, SC, 11mim)
Prêmio Especial do Júri
A Tradicional Família Brasileira KATU
(Rodrigo Sena, Documentário, RN, 25mim)
Melhores atuações
Maya e Rosana Stavis, em Pausa Para o Café
Melhor Fotografia
Gustavo Pessoa, por Inabitável
(Matheus Faria e Enock Carvalho, Ficção, PE, 19m57s)
Melhor Roteiro
Tamiris Tertuliano e William de Oliveira, por Pausa Para o Café
Melhor Direção de Arte
Cris Quaresma, por Quanto Pesa
(Breno Nina, Ficção, MA, 23min)
Melhor Montagem
Tamiris Tertuliano, por Pausa Para o Café
Melhor Som
Anna Luísa Penna, Emilio Le Roux e Fredshon Araújo, por Distopia
(Lilih Curi, Ficção, BA, 10m38s)
Menção Honrosa
Elenco de de Inabitável (Luciana Souza, Sophia William, Erlene Melo, Laís Vieira, Val Júnior, Carlos Eduardo Ferraz e Eduarda Lemos)
MOSTRA BRASÍLIA
Júri: Catarina Accioly, Sérgio de Sá e Débora Torres
Melhor Filme (longa-metragem)
Candango: Memórias do Festival
(Lino Meireles, Documentário, DF, 119min)
Prêmio Especial do Júri (longa-metragem)
(Jorge Bodanzky, Documentário, DF, 74min)
Melhor Filme (curta-metragem)
Do Outro Lado
(David Murad, Ficção, DF, 15min)
Prêmio Especial do Júri (curta-metragem)
Rosas do Asfalto
(Daiane Cortes, Documentário, DF, 19min)
Melhor Direção
Letícia Castanheira, por Eric
Melhor Direção de Arte e Edição
William Jungmann e Daniel Sena, por Algoritmo
Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro
PRÊMIO COSME ALVES NETTO
Prêmio Cosme Alves Netto
Anistia Internacional do Brasil
Júri: Alexandra Montgomery, Joel Zito Araújo e Jurema Werneck
A Tradicional Família Brasileira KATU
(Rodrigo Sena, Documentário, RN, 25mim)
Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro
PRÊMIO ABRACCINE
Associação Brasileira de Críticos de Cinema
Melhor Curta-metragem
(Grace Passô, Ficção, SP, 15m30s)
Melhor Longa-metragem
Entre Nós Talvez Estejam Multidões (MG, PE)
(Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito, Documentário, MG/PE, 92 min)
PRÊMIO CANAL BRASIL DE CURTAS
Júri: Ricardo Daehn, Maria do Rosário Caetano e Luiz Zanin
A Morte Branca do Feiticeiro Negro
(Rodrigo Ribeiro, Documentário, SC, 11 mim)
PRÊMIO MARCO ANTÔNIO GUIMARÃES
Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro (CPCB)
Candango: Memórias do Festival
(Lino Meireles, Documentário, 119 min)
A CARTA DO FESTIVAL DE BRASÍLIA NA ÍNTEGRA
CARTA DE BRASÍLIA
21 de dezembro de 2020
O 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), realizado à sombra de uma pandemia mundial, enfrentou adversidades para se realizar como havíamos planejado. Ele agora ocorre como um verdadeiro dever cívico de todos que se envolveram em sua realização, impedindo que o Festival fosse mais um na longa lista de eventos cancelados ao longo deste ano.
Da decisão de levar adiante o Festival até a sua plena realização, transcorreram 75 dias. Período em que o cinema brasileiro se uniu em torno desse evento. Nossos artistas, cineastas, técnicos, professores, pesquisadores e entidades representativas do audiovisual constituíram um fórum de debates cujo efeito maior foi mostrar a solidariedade, a força e a potencialidade da cultura brasileira, objeto do desprezo, da indiferença e do descaso do atual governo.
Neste ano, o ponto crucial foi justamente um painel do FBCB sobre a Cinemateca Brasileira e a emergência de não deixarmos nossa memória trancada na masmorra da negligência de uma necrofilia política.
O cadeado na porta da Cinemateca Brasileira é a metáfora de nosso país hoje. Nossa memória está sendo sequestrada e nosso futuro ameaçado. E nós, cineastas e profissionais da longa linha do audiovisual, diariamente construímos com nossas imagens essa memória fundamental para que o país se conheça, reflita e, sobretudo, aprenda com os acertos e erros do passado.
“Os filmes morrem sem gemer”, disse o grande cineasta e ativista da política cultural Gustavo Dahl. O 53° Festival de Brasília cumpriu a missão de gritar por eles. A memória dos filmes não é somente objeto de referência. Segue essencial para a realização de novos filmes, de novas leituras, sempre prementes, da nossa realidade e da nossa constituição como nação.
Outro pilar singular deste Festival foi a recuperação de uma prática sócio-política-econômica pautada pelo humanismo. A abrangência dos painéis captou os temas que mais afligem o Brasil e o mundo. A presença do cineasta britânico Ken Loach, com seu cinema de combate às desigualdades, mostrou que, a partir do cinema, Brasília olha para a sociedade como um todo.
O Festival não ficou indiferente às questões identitárias, sanitárias e econômicas. Essa diversidade temática, aliás, esteve presente na pauta dos critérios de seleção e nos filmes exibidos. O sexismo, o racismo, a crise da saúde pública, a desvalorização do emprego formal, a homofobia, a transfobia e a xenofobia foram temas discutidos em debates que chegaram a ser alvo de hackers, demonstrando o quanto precisamos estar atentos a uma ideologia retrógrada que, a depender de nós, nunca será hegemônica.
Como destacou o cineasta Cacá Diegues, o Brasil vive um “desmatamento cultural”. Brasília, em resposta, produziu uma série de proposições que alinhamos a seguir:
1. Articulação política e apartidária do cinema brasileiro com frente parlamentar no combate ao desmantelo da Ancine, da Cinemateca e da política de fomento ao cinema nacional.
2. Estabelecer um novo marco jurídico para modelo de prestação de contas da Ancine por meio da Frente parlamentar Mista em Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiro.
3. Aprovar o projeto de Lei que prorroga até 2030 a obrigatoriedade de exibição filmes brasileiros em salas de cinemas do país
4. Vigília constante e resistente ao desmantelo da Cinemateca Brasileira e do Centro Técnico Audiovisual, que ameaça a guarda da memória nacional e paralisa as pesquisas documentais para criações de novos projetos.
3. Fortalecimento e amparo dos acervos das cinematecas regionais e de cunho familiar que compõem importante rede memorial.
4. Desaparelhamento ideológico da Ancine para que volte ao pleno funcionamento como órgão de fomento do cinema brasileiro em sua plenitude de criação, em todas as direções.
5. Incentivar o cinema feito por etnias indígenas, de criadores e criadoras de povos originários.
6. Desenvolver um cinema para crianças comprometido com a arte educativa, inclusiva e de pensamento crítico.
7. Ampliar a participação de corpos negros no cinema ocupando territórios geográficos e físicos inéditos.
8. Acesso a cineastas negras para desenvolvimento de seus projetos cinematográficos, aumentando a presença dessas criadoras em nosso cinema.
9. Permitir que o cinema feito por mulheres alcance, ao menos, paridade de gênero em editais públicos.
10. Pôr fim ao silenciamento de temas relativos à violência de gênero e raça com editais de criação favoráveis a discutir essa urgente realidade brasileira que destrói vidas diariamente.
11. Dar visibilidade aos criadores e criadoras LGBTQIAP+ em editais públicos.
12. Promover a discussão das questões ambientais mais graves do nosso tempo na destruição dos ecossistemas, biomas e das comunidades tradicionais.
13. Buscar formas de financiamento junto a empresários comprometidos com causas culturais e socioambientais.
14. Consolidação do Troféu Cosme Alves Netto como uma ferramenta da Anistia Internacional para o incentivo de narrativas humanistas no cinema nacional.
15. Caracterizar o documentário como obra cultural, educacional, intelectual, não ficcional e, por vezes, biográfica, atributos o eximem de autorização e pagamento pela utilização de obras autorais de terceiros, na forma da Lei.
Festival de Brasília 2020: Premiação, Balanço e Cinema Brasileiro