República
Radicalizante
Por Daniel Guimarães
O cinema, em sua linguagem, utilizado como mecanismo em que se transmite experiências sensíveis. Isto é “República”, curta-metragem de Grace Passô. Em um momento de ansiedade geral com o enclausuramento, a diretora performa e se filma de forma a fazer do próprio uso de câmera, uma angústia. Em planos fechados, longos e agonizantes, se representa a falta de olhares em um isolamento. Não há muito o que se ver, o que sentir ou formas de fugir. De certa maneira, alucinamos. O enquadramento rigoroso representa não só o contexto, o tema e o ambiente como enlouquecedores, mas também nossa sensibilidade frente a imagem. Desde seu princípio, com uso de cores borradas, percebe-se o objetivo de um filme que trabalha em percepções.
Como um retrato de Brasil, a escalada no sentido de um alucinar é, evidentemente, exponencial. Quase como se representasse a aflição e o desespero, Passô busca uma solução que alivie nossas agonias. E, em sua personagem, cria um afago frente ao marasmo de antes. Em analogia, como se Sísifo finalmente se livrasse de seu eterno ciclo com a rocha. Porém, “República” vai além do que um já ótimo exemplo do cinema de sensações. Parte para um jogo de encenação mais complexo. O alívio é manipulado pela dicotomia do real e do fictício, desenhado para nos quebrar posteriormente. A realidade é, de repente, materializada.
Em “República”, a diretora nos acorda de uma inocência ficcional e nos radicaliza. Esse realismo, porém, não se encontra na montagem invisível, de cortes conectados para indicar fluidez. Pelo contrário, há algo de místico e surreal no curta. Trabalhando com ideias irreais, traz-se a tona sentimentos que são agressivos na realidade do país. Um choque em forma de alerta, mas também um pedido de ajuda, de um Brasil que pare de sonhar, se transforme e lute por uma realidade, se possível, fora da narrativa.