Teleférico do Amor
Um filme de amor nas alturas
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2024
Uma das maravilhas da vida é quando perdemos o controle, especialmente na escolha de filme em um festival de cinema. Nós ganhamos quando se permite ser conduzido pela vontade do universo. “Teleférico do Amor” foi um dessas obras tão curiosas e despretensiosas, mas sem muita badalação por trás. Se não fosse meu amigo Alexandre Cunha, no Festival do Rio 2024, talvez não a colocasse em minha lista prioritária. Dito isso, apresentação feita, vamos ao filme! “Teleférico do Amor” é uma ode à estética visual. Uma fábula à moda “mistura” de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, de Jean-Pierre Jeunet, com a ambiência dos filmes de Wes Anderson, mas aqui sua proposta é construir um silencioso (pouquíssimos diálogos) teatro realista e uma performance imagética de um conto-de-fadas, entre engrenagens físicas e fantasia poética do amor.
“Teleférico do Amor”, do realizador alemão Veit Helmer (que fez seu primeiro filme aos 14 anos e dirigiu o conceituado “De Quem é o Sutiã?“), acontece nas alturas (os de cima e os de baixo), entre viagens, instantes, possibilidades e acasos provocados. Tudo aqui também é uma sátira à forma de comportamentos resignados, ora “cantados”, coloquiais, idiossincráticos e de acordado (e cúmplice) costume local. Brinca-se com a narrativa da morbidez, da vida naturalista, da aceitação normal de que pessoas morrem. Como disse, este filme foca na estética, na poesia visual, na mise-en-scène etérea e metafísica de uma névoa, por exemplo, que simboliza e metaforiza sensações e relações gestuais em contemplação sem palavras. Todas as personagens aqui parecem robôs, ecoando ações motoras e fisiológicas básicas da existência humana.
Sim, o argumento do filme é bastante interessante, mas o longa-metragem adentra na repetição, tornando-se uma obra de esquetes. Ainda que cada uma seja diferente, inventiva e forneça novidades, mesmo assim “Teleférico do Amor” parece se estender (e massificar) no inicial conceito proposto. E sim, a força do filme está em sua estranheza, em suas partes absurdas, em sua atmosfera nonsense. São rotinas protocolares de funcionárias “iguais” para ninguém e um ou outro cliente. O longa me lembrou a crítica ao propósito, que está explicitamente nos livros do português José Saramago e em “O Deserto dos Tártaros”, de Dino Buzzati.
Assim, “Teleférico do Amor” é o fora da curva. O momento do acordar. O exato instante de rever necessidades e apertar o “botão de emergência”. Ao encontrar o amor, duas funcionárias, antes mais para soldados, começam uma novela de ação e reação, entre flertes, bolos, cortejos, jogos de xadrez, caixinha de músicas, felicidades simples, respeito ao tempo de vivência desses novos sentimentos e ideias mirabolantes à la “007″ e/ou “A Volta ao Mundo em 80 Dias”.
“Teleférico do Amor”, como disse, é um filme teatralizado sobre a vida lúdica, que traz arquétipos machistas (de objetivação do corpo da mulher), quebra de paradigmas, reconsiderações trabalhistas e a reconfiguração das solidões (em reclusões resignadas). A narrativa é de situações. Cada “investida” gera uma resposta “à altura”. Tudo aqui é um jogo pelo amor, de conquista, em complementar tédios, silêncios e falta de perspectiva com novas e pulsantes emoções. Como parar as engrenagens para tocar. Como pedir ajuda aos vizinhos para completar ações. “Teleférico do Amor” é um filme que quer quebrar o sistema daquele local. Quer revolucionar com a “modernidade” com declarações de amor, serenatas, contra a revolta do chefe até o date oficial.
Ainda que “Teleférico do Amor” soe demais, que se estenda demais, que pareça que se fosse um curta-metragem seria mais que perfeito, mesmo assim é uma “delicia de assistir”. Sua condução simples objetiva a jornada e não corre para chegar ao resultado. É um filme de instantes, de cenas, de momentos que dependem de outras ações, outras atitudes, outros quereres, outras ajudas, outros quereres verdadeiros, estes que criam uma felicidade desmedida e de impulso irracional (e intenso) na obtenção do “objeto” presente e de futuro. Sim, “Teleférico do Amor” pode soar brega, over, açucarado, ingênuo e viajandão demais. É, mas se pensarmos que a essência o amor está imediatismo de se conseguir o que se quer, então podemos dizer que este longa-metragem vem chegando, se instaura e que faz seus espectadores procurarem passagens a lugares inóspitos com teleféricos. Vai que o universo está dando uma dica importante a quem assiste ao filme! Pois é, e por mais uma sorte deste destino, esta obra estreia hoje nos cinemas brasileiros!