Seus Amigos e Vizinhos
Someday My Prince Will Come
Por João Lanari Bo
“Seus Amigos e Vizinhos” (2025), série da Apple TV em nove espisódios que estourou no streaming na terra de Donald Trump, é isso mesmo: o sonho dourado de consumo desenha-se de alguma maneira no horizonte das almas gananciosas, mas parece inalcançável, ou melhor – é alcançável, mas mediante transgressões e truques que expõem a hipocrisia do sistema. Algum dia meu príncipe vai chegar, mas, se ele chega, chega demolindo a estrutura de reconhecimento social que o fundamenta. Algo a ver com o momento que experimenta a sociedade norte-americana?
A revista New Yorker, um dos bastiões liberais que ainda resiste ao rolo compressor do MAGA – Make America Great Again – estampou artigo sobre a série que abre com resumo desalentador: “Seus Amigos e Vizinhos” serve pornografia de luxo disfarçada de crítica social. O contrário também seria uma proposição válida: serve crítica social disfarçada de pornografia de luxo. O príncipe em questão é o ator Jon Hamm, uma espécie de Cary Grant atualizado (e erotizado) para o século 21, conhecido pela infindável série Mad Men: Inventando Verdades, que grassou sete longas temporadas na TV à cabo, começando em 2007 – aventuras (e perversidades) de um executivo de agência de publicidade na Madison Avenue, em Nova York. Jon, sempre com aquele ar de canastrão feliz e bem-sucedido, reaparece e se depara com um deserto para atravessar. Mas, como?
Desta feita, Jon Hamm é Andrew Cooper, ou Coop para os íntimos, dono de um alto cargo em um hedge fund – também conhecido como fundo de cobertura, um tipo de fundo de investimento, geralmente privados e não regulamentados, que usam estratégias complexas e não tradicionais para gerar (altos) retornos – e, eventualmente, enormes prejuízos. Mora no ridiculamente luxuoso Westmont Village, subúrbio fictício de Nova York, e local das vidas daqueles que ele chama de amigos e vizinhos. Coop está às voltas com despesas assombrosas: pensão alimentícia, hipoteca, aluguel da casa e mensalidades da escola particular dos filhos estão drenando suas contas bancárias mais rápido do que ele consegue reabastecê-las. Divorciado da esposa Mel (Amanda Peet) depois de flagrá-la na cama com um dos melhores amigos, o ex-campeão da NBA Nick (Mark Tallman), seu mundo imaginário de ostentação parece a um passo do abismo.
Como se não bastasse, o roteirista de “Seus Amigos e Vizinhos” ainda faz nosso (anti) herói ser demitido em uma manobra absolutamente canalha, para dizer o mínimo – e ele é impedido contratualmente de exercer funções semelhantes por dois anos. Cada nova confirmação de status social, ou seja, despesa, passa a ser um soco no plexo solar. Um vizinho inscreve Coop para duas mesas em um evento beneficente contra câncer (trinta mil dólares por cabeça). Ao deixar o filho adolescente na casa da ex-mulher, descobre que prometeu comprar uma nova bateria (quase mil e oitocentos dólares) para o menino e pagar três sessões de tratamento de pele (quase mil e quinhentos) para a filha. Cada migalha tem um peso imprevisto e considerável, o luxo que o rodeia – começando pela Maserati que pilota diariamente – parece implodir inexoravelmente, como ilustrado pela abertura dos episódios.
Mas nosso Cary Grant não se abala. As noites de solidão e insônia são temperadas de sessões na TCM – Turner Classic Movies – como não poderia deixar de ser. Narrando em off, ele divaga filosoficamente, também como não poderia deixar de ser, sobre a hipocrisia do sistema. Qual seria a solução para se erguer desse poço sem fundo em que se meteu? Roubar, simplesmente roubar, os excessos de luxo dos vizinhos e amigos. Roubar significa transpor limites sociais, ingressar em esferas de sociabilidade das quais Coop não tem a menor ideia do que sejam. Como encarar essa transgressão? Nada melhor do que usar a nonchalance do seu alter ego, o inimitável Cary Grant. Moralmente, não tem problema: amigos e vizinhos colecionam fetiches – relógios, joias, quadros, objetos de arte, o que seja – movidos apenas pelo desejo insaciável de acumulação. Um sumiço, aqui e ali, vai passar despercebido, naturalmente.
No meio do caminho, faz uma aliança de classe com Elena (Aimee Carrero), a faxineira latina imigrante, entabula uma relação tórrida com Samantha (Olivia Munn), ex-mulher de um dos amigos. E muito mais, de tirar o fôlego desse personagem que, em última análise, padece de um tédio de si mesmo.
E Andrew “Coop” Cooper conclui, indiferente, sobre seu novo perfil de ladrão e o respectivo dilema ético – eles (vizinhos e amigos) têm pilhas de riqueza esquecida, jogadas em gavetas onde não faziam bem a ninguém.