O Caso Hammarskjöld

Egotrip de Mads

Por Vitor Velloso

Durante o É Tudo Verdade 2019


Documentários investigativos são produtos cinematográficos únicos, pois a jornada não possui uma estrutura fixa, muito menos previsível, logo, questões formais são o cerne de toda a proposta do filme. “O Caso Hammarskjöld” de Mads Brügger é um projeto curioso, onde veremos a busca do cineasta em descobrir a verdade por trás da morte do diplomata da ONU em 1961, que supostamente faleceu em uma queda de avião, porém, desde sempre, teorias apontam para um possível assassinato e Mads decide investigar isso.

Por tratar-se de um homicídio político, a grande maioria das pistas são ocultadas pelas autoridades envolvidas no caso. O diretor possui um intenso empenho, ao lado de Göran Björkdahl em resolver a questão, desta maneira realiza uma verdadeira odisséia através de qualquer informação, que revela todo o trabalho colossal que há aqui. Para auxiliar em uma estrutura que é justificada mais a frente, ele decide criar blocos com encenações, onde se veste igual um assassino de uma história parcialmente conhecida e aparece embaralhando cartas, principalmente o Ás de Espadas, uma carta que estava no colarinho de Hammarskjöld. Mas o que possui um impacto maior, já no primeiro contato, são duas mulheres negras que estão escrevendo o roteiro do documentário, enquanto ele dita. A misancene é extremamente dúbia, vemos um homem branco pagando e dando ordens aquelas mulheres negras, fazendo um trabalho que ele poderia fazer. Ele reconhece parte da estranheza do que realiza e justifica em um momento posterior, não convence e mantém uma inquietação no espectador, pois além de uma questão política da estrutura cênica, as duas atuam tentando transmitir algumas reações às revelações da investigação, todas são muito artificiais.

Porém, no momento onde faz essa mea culpa, vemos uma virada brusca na estrutura do filme, pois o cineasta admite o fracasso em seu processo investigativo. Apesar das inúmeras evidências, nenhuma torna-se prova. E isto já era perceptível, até mesmo nas propostas estéticas assumidas por ele, que sempre soavam muito soltas, uma falta de solidez formal que gera um distanciamento do público, por falta de conclusão na história real e na reflexão da forma utilizada, que é parte do documentário, revelando parte da produção do mesmo. Uma questão já comum na carreira de Mads é a excessiva necessidade de afirmar sua figura, como um ícone único de cada filme seu, onde ele performa uma espécie de caricatura de si mesmo.

Afinal, além da admissão do fracasso e a virada formal que propõe a partir do reconhecimento desta derrota, o que consegue segurar o espectador? Onde essa virada nos leva. Ele acaba descobrindo algo maior que a ideia inicial, comprovando com confissões e documentos uma teoria conspiratória antiga, que não revelarei pois estaria promovendo a frustração de quem ainda vai assistir. Mas a dimensão destas descobertas são realmente assombrosas. A partir deste momento ele decide reestruturar tudo o que havia reflexionado sobre sua realização fílmica, chuta o balde e remonta o longa. Tomando um dinamismo louvável e uma objetividade densa. Isso demonstra um versátil domínio dos artifícios do documentário.

Um ponto interessante do filme, é a exposição do processo criativo e de sua produção, que o torna um retrato contemporâneo dos desafios de um realizador, inclusive reconhecer os erros de suas decisões. O que gera uma consequência, por vezes, a persona que o diretor criou torna-se aborrecida e acima de tudo, irritante. Sua predisposição a tudo soa uma falsa em diversos momentos. Além de suas dificuldades com algumas etapas de sua busca, que são fruto de uma relativa megalomania do cineasta. E isto torna-se uma armadilha bastante clara, pois a direção que toma posteriormente demonstra que a objetividade e a simplicidade na estrutura eram o meio mais simples de chegar a algum lugar, pois a intervenção constante do realizador neste processo, da maneira como ela se dá, vira uma maçante egotrip de autoafirmação enquanto realizador.

Acontece que sua curiosidade e o assunto que decidiu abordar, engoliu toda a construção que se tinha em mente, mas alcança, próximo ao fim, um status bastante distinto do anterior e encontra respostas que merecem nossa atenção.

3 Nota do Crítico 5 1

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