A Câmara
Performances da observação
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2024
Na linha dos documentários de parlamento, “ A Câmara”, de Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão, segue a lógica da observação passiva e postura política cadenciada. Procurando um retrato que não seja necessariamente imparcial, mas que não possua um discurso aberto de seu posicionamento. A estratégia é particularmente simples e se repete ao longo da obra, tensionar os discursos dos parlamentares a partir da duração dos planos e criar algum tipo de desconforto a partir disso. O exemplo mais explícito disso é a cena do culto, em que a proximidade da objetiva e a longa duração do plano, cria uma atmosfera que é capaz de ridicularizar a situação.
O maior problema aqui é que essa estratégia de observação, possui um limite de funcionalidade, pois sem uma estrutura que possua uma finalidade concreta, o filme passa a vagar pelos personagens sem nenhum objetivo específico, tornando a experiência morna e muitas vezes arrastada. Não por acaso, é necessário que haja algum evento mais específico no longa, como o culto, o debate televisivo ou um recurso na montagem para criar alguma dinâmica nessa representação do parlamento. De toda forma, a decisão de assumir um recorte feminino é particularmente interessante, para que o espectador possa ver as diferentes formas de trabalho e cotidiano entre elas, com suas particularidades e convicções políticas. O grande problema de “A Câmara” é realmente não possuir um fim objetivamente marcado, diferentemente de “O Processo” (2019), de Maria Augusta Ramos, que segue o impecavelmente de Dilma Rousseff de forma mais clara, mesmo que com uma abordagem que existe alguma aproximação. Sendo assim, a lógica de sustentação aqui, passa por esses trechos mencionados, que conseguiram arrancar alguma reação positiva do público no Cine-Tenda, mas não foi capaz de assegurar o comprometimento do espectador ao longo de toda a projeção. Justamente por se prender ao acaso do registro e necessitar que algum assunto ou situação ocorresse, o longa promove uma estagnação de seu caráter político para ser mais consciente de sua linguagem, procurando na duração de seus planos, uma forma de posicionamento, ainda assim estanque.
É louvável o esforço de Tiago de Aragão e Cristiane Bernardes de representar a política pelos anais da espetacularização da mídia ou das performances sociais no debate na Câmara, ainda que estes ocorram no convívio em si. Também deve ser mencionado que é interessante analisar como essa construção de debate político é feita por essas mulheres projetadas na tela, que mesmo sendo centro de determinadas pautas, são escanteadas e levadas ao objeto de políticas públicas, mesmo estando no exercício de debate das mesmas. Contudo, nenhuma dessas questões são novas ao espectador, sendo mais uma representação particular, a partir dessa observação passiva, que de tão pouco hostil em seus espaços, parece se apequenar mesmo diante de determinadas atrocidades ditas. Além disso, a falta de informação sobre as pessoas que circulam no parlamento é de forte apelo ambíguo. Isso porque se de alguma forma permite o espectador não se “armar” diante de determinada figura ou discurso, também não permite que possamos saber de que perspectiva nacional está sendo tratada ali, de qual região, quais as pautas políticas etc.
“A Câmara” é um documentário que observa de tão perto e tão distante, que seu objeto central se torna a forma em si, fazendo com que a intencionalidade se perca e a observação pudesse ser em qualquer espaço, mas curiosamente é a Câmara. Se existe um lado interessante nessa proposta, também existe um aspecto pouco eficaz, que se traduz na frustração das pessoas ao fim da sessão, que sem saber exatamente em quais espaços o filme se posicionava como justificativa, se apegaram mais à casualidade dessa representação. E realmente, nesta perspectiva, o mérito é louvável, mas se ampliarmos a lente, torna-se excessivamente burocrático.