Um balanço-cotações do Festival de Berlim 2020
Por Fabricio Duque
“O que essas imagens têm a ver conosco?”, frase estampada da revista C | O Berlin, número 25, estimula a análise sobre a edição de 70 anos do Festival de Berlim 2020. Este ano, não estava mais frio, mas a atmosfera mudou um pouco. Soa estranho com a crescente gentrificação de Berlim, que padroniza o consumo em shopping, retirando assim a característica principal da cidade: seu glamouroso jeito decadente underground de ser. O comer saudável também não é mais uma opção, porque para cada lugar que se olhe, percebe-se uma “food americanização”. É o caso do nova versão de “Berlin Alexanderplatz”, mais pelo livro de Alfred Döblin que por Fassbinder, que potencializa puritanismo, conservadorismo e um estrutura de cinema americano sensível e vitimada, ainda que seu protagonista seja um refugiado negro.
A dição de 2020 selecionou 19 filmes brasileiros (incluindo co-produções). “Alice Junior”, de Gil Baroni; “Irmã”, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes; “Cidade Pássaro”, de Matias Mariani, este que também integra a seleção competitiva do festival de cinema Red Sea na Arábia Saudita; “Luz nos Trópicos”, de Paulo Gaitán, uma experiência sensorial e imperdível de 255 minutos; “Meu Nome é Bagdá”, de Caru Alves de Souza, que venceu o Prêmio do Júri da Mostra Geração; “O Reflexo do Lago”, de Fernando Segtowick; “Vil, Má”, de Gustavo Vinagre; “Todos os Mortos”, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que representou o Brasil na mostra competitiva oficial ao Urso de Ouro; e temos “Vento Seco”, de Daniel Nolasco, uma lisergia orgânica-estética-sadomasoquista, que considero o MELHOR FILME do Festival de Berlim 2020 até agora (porque hoje tem mais três filmes e amanhã seis).
Sim, é um bom momento para o Brasil aqui no festival. Nunca se falou tanto de cultura brasileira e políticas públicas. As principais revistas, Variety e Screen International, realizaram matérias grandes e aprofundadas sobre nosso país, que possui voltados os olhares do mundo pela presença do jurado oficial, o cineasta Kléber Mendonça Filho. Eu também descobri a simpatia e doçura do presidente do júri (com pulsos de “ferro”), Jeremy Irons, que entregou um mimo chocolate a cada um dos colegas antes de se iniciar a sessão de “My Little Sister”. Confesso, que o barulho do saco dos próprios estimularam algumas “des-imersão”. Mas tudo bem. O ato carinhoso e humano prevaleceu.
Outra percepção da Berlinale deste ano é que o festival também mudou, principalmente pela mudança do diretor artístico, agora Carlo Chatrian, que desempenhava essa função no Festival de Locarno. Com isso, a seleção oficial objetivou dois pontos: diretores mais conhecidos e filmes mais experimentais, como por exemplo, “The Exit of the Trains”, de Radu Jude e Adrian Cioflâncă, um filme romeno, de 175 minutos, um um procedimento radical e reduzido que nomeia os nomes dos mortos de A a Z, ilustra isso com fotos de passaportes e álbuns de família, e explicações surpreendentemente sóbrias são ouvidas fora da tela.
Assim, com essa programação ultra intensa, de filmes “colados” e coletivas de imprensa no mesmo horário (por exemplo, a do Júri, que aconteceu simultaneamente com a exibição do documentário “Swimming Out Till the Sea Tirns Blue”, de Jia Zhang-ke), escolhas precisaram ser mais precisas. Mas algumas não puderam ser perdidas, como a do brasileiro “Todos os Mortos”, que ganhou o mundo com o discurso catártico da produtora Sara Silveira; ou a de Philippe Garrel, do irretocável “O Sal das Lágrimas”, realizador, que para defender sua obra, “bateu boca” com jornalistas e até com a própria mediadora. E a de Hillary Clinton. E a da atriz Hellen Mirror que recebeu o Urso de Ouro horário pela carreira.
Outra coisa de Berlim é que o Sony Center está em reformas. E assim, os restaurantes próximos ganharam força e aumentaram seus preços. Pois é, a crise na Europa que cada vez pode se encontrar mais moradores de rua. Antes, não pediam ajuda. Agora, clamam e choram por uma moeda. Sim, sinal dos tempos. A dica como já foi falada é ir ao supermercado e comprar um sanduíche por um euro e quarenta e nove centavos e/ou ir ao terceiro piso do shopping Mall of Berlin. Mas hoje eu descobri um mundo perdido: o subsolo é o paraíso àqueles que querem ter uma lembrança mais em conta da cidade. É lá também que tem a farmácia DM.
Digo isso, porque toda vez eu gripo. E este ano especialmente, o medo está mais presente com o Corona Vírus. Todo mundo que tosse é colocado em “quarentena social”. Mas devido ao amigo Anderson Kreuzbär, pude melhorar com as dicas-medicamento. Sim, depois de um tablete, a força voltou. Até porque esta “experiência” atrapalhou o bom andamento da cobertura, que me fez sentir mais cansaço e menos energia.
Vamos agora a uma lista completa (em ordem de câmeras) de filme e nota do Festival de Berlim (que será atualizada no dia 02/03), e durante a semana até dia 09/03, todas as matérias, vídeos, podcasts e críticas estarão no ar. Completas.
COTAÇÕES
“First Cow”, de Kelly Reichart (Competição)
“Vento Seco”, de Daniel Nolasco (Panorama)
“The Woman Who Ran”, de Hong Sang-soo (Competição)
“Dau, Natasha”, de Ilya Khrzhanovskiy e Jekaterina Oertel (Competição)
“Rizi”, de Tsai Ming-Liang (Competição)
“A Metamorfose dos Pássaros”, de Catarina Vasconcelos (Encontros)
“Exile”, de Visar Morina (Panorama)
“Volevo Nascondermi”, de Giorgio Diririti (Competição)
“Onward”, de Dan Scanlon (Especial)
“The Salt of Tears”, de Philippe Garrel (Competição)
“Pinocchio”, de Matteo Garrone
“Chico Ventana Também Quer ter Um Submarino”, de Alex Piperno (Forum)
“Siberia”, de Abel Ferrara (Competição)
“Vil, Má”, de Gustavo Vinagre (Forum)
“Never Rarelly Sometimes Always”, de Eliza Hittman (Competição)
“Meu Nome é Bagdá”, de Caru Alves de Souza (Geração 14+)
“There is no Evil”, de Mohammad Rasoulof (Competição)
“Luz nos Trópicos”, de Paula Gaitán (Forum)
“Swimming Out Till The Sea”, de Jia Zhang-ke (Especial)
“Malmkrog”, de Cristi Puiu (Encontros)
“Las Mil y Una”, de Clarisa Navas (Panorama)
“Cidade Pássaro”, de Matias Mariani (Panorama)
“Undine”, de Christian Petzold (Competição)
“Delete History”, de Bernoit Delefine e Gustave Kervem (Competição)
“My Little Sister”, de Stéphanie Chuat e Véronique Reymond (Competição)
“The Exit of the Trains”, de Radu Jude e Adrian Cioflâncă (Forum)
“Suk Suk”, de Ray Yeung (Panorama)
“Charlatan”, de Agnieszka Holland (Especial)
“Irmã”, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes (Geração)
“Irradiés”, de Rithy Panh (Competição)
“My Salinger Year”, de Plillippe Falandeau (Especial)
“Minamata”, de Andrew Levitas (Especial)
“El Prófugo”, de Natalia Meta (Competição)
“Nardjes A”, de Karim Ainouz (Panorama)
“Curveball”, de Johannes Naber (Especial)
“Berlin Alexanderplatz”, de Burhan Qurbani (Competição)
“Todos os Mortos”, de Marco Dutra e Caetano Gotardo (Competição)
“Favolacce”, de abio e Damiano D’Innocenzo (Competição)
“The Roads Not Taken”, de Sally Potter (Competição)