O Dia da Posse
Na pandemia é assim...
Por Ciro Araujo
Durante o Olhar do Cinema 2021
A partir daquela região de tempo em que se começou a falar sobre o tempo de quarentena, a preocupação pelo menos no campo cinéfilo foi como existiria o “fazer filme” dentro de apenas um ambiente tão confortável (e claustrofóbico também) e do “eu” com a própria casa. Foi visto uma enxurrada de ideias, produções e maquinações a respeito da produção, completamente adaptadas ao remoto. Em “O Dia da Posse”, Allan Ribeiro respirou assim para produzir uma síntese desse processo de adaptação, preparado e esperando abocanhar um personagem que se viu tão propício para a época atual.
O longa-metragem de uma hora e dez minutos repassa pelo cotidiano de Brendo Washington (Brenddo Washington Vêneto nas redes sociais), trancafiado juntamente com o próprio cineasta que filma em vários momentos a si mesmo. Esse momento, enquanto discute sobre o caráter de estar trancafiado e se filmar, ora vejam, refletem em passagens diversas que realizam a óbvia comparação do programa Big Brother que, por mais canalha que tenha sido, aproveitou o momento pandêmico e se popularizou. Essa obsessão que Allan encontra no protagonismo de Brendo acaba virando um dos interesses para o diretor gravar situações banais. Em vários momentos, a filmadora toma a situação à la “Janela Indiscreta” e encontra as várias atividades cotidianas que qualquer ser humano de pleno dois mil e vinte um realizaria. Eis a primeira associação em que o filme escava, então. O Dia da Posse é sobre aproveitar o momento, não do ditado clássico carpe diem, árcade, mas compreender e capturar os anseios de uma geração que acaba de ter a chance de se especializar, de estudar, e vive períodos da simples incerteza. É inegável o interesse do protagonista por política, ao mesmo tempo que sempre tem algo para se dizer e a ambição do brasileiro de se fazer as carreiras que mais são recompensadas profissionalmente. A simplicidade de fazer essa ligação talvez não seja a que é melhor recompensada ao espectador, uma vez que quem esteja convivendo dentro dessa geração já esteja recheado de entender a dinâmica entre o Big Brother e a sociedade assistida.
Se o fazer em si é simples, o contexto quarentenal ainda pode ser lido de uma outra forma. O desânimo totalizado dentro da situação-personagem, isto é, como o próprio personagem se vê dentro de fazer um filme, ser o objeto observado, é um relato interessantíssimo. Não tem como deixar de citar a melhor frase para algo assim, “É tudo verdade”. E bem, quem quiser pode acreditar, porém existe um deleite em ver alguém que definitivamente não estava preparado para reagir ou atuar diante da câmera – e que inclusive vive observando que não é ele próprio enfrente dela – procurando saber como atuar para seu próprio diretor. Em certos momentos, Brendo é uma musa para Allan, em como se veste ou faz ações rotineiras e o próprio pedido do maestro de repetir as cenas e diálogos. Engraçado pensar em como tudo no final termina com ambos nem ao menos se despedindo juntos, pois “para descer (do apartamento) teria que colocar máscara, se vestir”. Parece até um clichê hollywoodiano.
Talvez como mais interessante ali esteja o próprio trabalho de terapia ao diretor. Como companheiro fílmico, o protagonista aspirante a presidente na verdade é muito mais um interesse do próprio cineasta para sua própria vida. E de forma alguma não é um momento canalha, muito pelo contrário. É interessantíssimo ver muitas manias que estão presentes quando se filma, quase um passatempo. Em “Amador”, do dificílimo nome de Krzysztof Kieslowski, o protagonista por puro hobby compra uma câmera decidido a filmar tudo que se passa. Apesar de “O Dia da Posse” não ter o menor pudor entre mostrar ou não muito do que não é simplesmente de verdade, no final das contas o filme acaba passando uma sensação de honestidade, sim. Certo que Brendo não é um personagem dos mais originalíssimos, é muito mais um pulsar geracional sobre ambições e desejos, mas é inegável como existe um carisma ali situado na vontade de conversar entre os dois, uma amizade que, por mais simples, é gostosa de se ver. Inegável, no final das contas, que existe um marasmo no gravar. Mas afinal, quem não teve esse marasmo nesses meses conseguintes da declaração que estaríamos numa pandemia, enclausurados?