Tudo Por Amor Ao Cinema
Por Fabricio Duque
“Tudo Por Amor Ao Cinema” é um daqueles filmes que devem permanecer permanentemente em cartaz nos cinemas, nem que seja em um horário, porém todos os dias, porque o longa-metragem conjuga paixão cinéfila, fé organizada na sétima arte e documentário. Retrata-se a vida do curador da Cinemateca do MAM (de 1965-1988), Cosme Alvez Netto, uma das mais importantes figuras do cinema brasileiro, responsável pelo conservação e recuperação de diversas obras nacionais, mas é muito mais que isso. É uma aula histórica, que usa e “abusa” do cinema “apaixonado” (de “raiz”) como pano de fundo. Aqui, neste texto, há a necessidade de abrir um largo parênteses, visto a quase “obrigação” de “desabafar” com uma importante digressão. O filme foi assistido na semana de estreia, no único horário das dezessete horas no Espaço Itaú de Cinema, em Botafogo, Rio de Janeiro, um cinema que objetiva a qualidade fílmica, que sai do “mainstream” e “encontra” a especificação em um público mais e mais elitizado. Enfim. Continuando, o ingresso (inteira) custou trinta reais e ao final da sessão pude constatar que apenas dez pessoas (com a saída de uma delas), fechando em apenas nove espectadores, assistiram a este filme. Foi inevitável não conversar com meus botões e questionar em perguntas retóricas o que já se sabe. Será tudo por amor ao cinema? Há espaço para filmes documentais nacionais? O modelo de exibição está se modificando e assumindo a nostalgia no presente (a de realizar cineclubes ao invés de grandes “badalações”)? Não se sabe ao certo seu futuro, tampouco sua transmutação. Oremos e aguardemos. Portanto, “voltando à vaca fria” e deixando as “questões” para quem tem “ânimo” e coragem de questioná-las sem tristezas e afins, “Tudo Por Amor Ao Cinema” é dirigido pelo documentarista Aurelio Michiles (de “O Cineasta da Selva” – que junto com José de Abreu – abordou a história do pioneiro no cinema amazonense, Silvino Santos), e pode ser traduzido em apenas uma palavra: apaixonante. Ao aprofundar o “personagem principal”, Aurelio imprime uma inocente memória afetiva por uma narrativa vulnerável e despretensiosa à emoção. Eis a grande maestria da obra em questão. Com cenas de filmes nacionais, principalmente com a atmosfera de “Cinema de Lágrimas”, de Nelson Pereira dos Santos (que conta com o próprio Cosme como ator – representando ele mesmo); câmeras de segurança; bancas de dvds piratas; locadoras, o documentário narra os créditos de abertura à moda Rogério Sganzerla. Há “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, “O Desprezo”, de Jean-Luc Godard; “Ganga Bruta”; “Jules e Jim”, de Franóis Truffaut; “Cantando na Chuva” (seu favorito – e “morreu na mesma hora que Gene Kelly”). Trabalha-se com memória. O tom ficcional dos filmes antigas já possui um ar documental, visto que retratam a época e seus costumes, por paralelos do ontem com os de hoje. É um grande “Mise-en-scène”. Um jogo de cena. É inegável a importante de Cosme não só para a cinematografia brasileira. O “incansável caçador de filmes” é eternizado por depoimentos de Candeia; Regina Miranda; Eduardo Coutinho; por antropólogas; críticos, tudo para falar que ele era “a figura mítica”, “o chefão da cinemateca”, “um indiozinho magrinho vindo do Amazonas”, “mascarado”; “não tímido”, com “alma feminina”, que “sabia como era a morte e a vida de um filme”, que criou “ciclos de estudo sobre a realidade brasileira”, um “católico”, “que foi torturado por lutar pela liberdade de expressão”, que “não queria morrer depois dos dezoito, com “pai deputado”, mas que abriu a “mão da fortuna e foi ao cinema”. Cosme, que cada vez parecia mais com Orson Welles, conseguia os filmes “nas embaixadas” (um “acordo para conseguir as cópias” – “Após cinco anos, os filmes eram destruídos e viravam esmalte para unhas”) e guardava nos porões do MAM. “Todo cinéfilo é individualista. É ter para ver de novo”, diz-se. Ele resgatava a memória visual. O documentário aborda ainda o incêndio que não afetou a Cinemateca, os festivais internacionais de cinema, seu “repertório pronto” e seu “acervo formado”. Concluindo, “Tudo Por Amor Ao Cinema” é obrigatório, necessário e uma ode unilateral e afetivamente esperando do amor pela arte cinematográfica. Salve Cosme!

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