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O Lar das Crianças Peculiares

A jornada de existências únicas em camadas realistas-fantásticas timburtonianas

Por Fabricio Duque

O Lar das Crianças Peculiares

Em seu novo filme, “O Lar das Crianças Peculiares”, o diretor Tim Burton reitera sua característica principal: a de construir um universo realista fantástico em que personifica a fantasia, mesclando referências de inúmeras obras cinematográficas para criar um trama equilibrada, ritmada e pululada de camadas político-sociais de análises idiossincráticas-existenciais-psicológicas. A maestria de Tim (que transfere protagonista Jake seu “alter-ego”) está em conduzir o público em mundos sobrenaturais, palpáveis, críveis e possíveis.

Baseado no primeiro livro da trilogia, “Miss Peregrine’s Home For Peculiar Children – O Lar das Crianças Peculiares de Miss Peregrine” – que ainda conta com as sequências “Cidade dos Etéreos” e “Biblioteca de Almas”, do escritor americano Ransom Riggs (que pelas palavras de Tim Burton: “Vocês têm certeza de que não fui eu quem escreveu esse livro? Parece algo que eu teria feito”), o longa-metragem imerge o espectador em uma “colagem” que busca abrigo na fantasia de “Peter Pan” (o loop que dura apenas vinte e quatro horas – quase “O Dia da Marmota” presente no filme “Feitiço do Tempo”, de Harold Ramis – retardando o crescimento temporal das crianças geneticamente “mutantes” e que adquiriram poderes especiais, bem à moda de “X-Men” – uma solta fogo, a outra flutua, tem um garoto invisível); na história do livro de 1911, “O Jardim Secreto”, da autora Frances Hodgson Burnett; na atmosfera de um “Circo dos Horrores” do início do século; na inferência a “Alice No País das Maravilhas”; na estética fílmico de Guilherme de Toro e seu “Labirinto do Fauno”; e nas próprias obras “Frankweenie”, “O Estranho Mundo de Jack” e “Eward, Mãos de Tesoura”.

Pensando com nossos botões viajantes, “O Lar das Crianças Peculiares”, que também lembra “O Bom Gigante Amigo”, de Steven Spielberg, automaticamente, sem pestanejar, faz com que sejamos remetidos aos trabalhos ultra-realistas da artista plástica Patricia Piccinini e sua exposição “Comciência”, que aconteceu em 2016 no CCBB do Rio de Janeiro. A australiana lida com nossa reação de estranhamento, ao mesmo tempo incômodo e sedutor, desencadeando uma repulsa visual diante de esquisitas criaturas fantásticas e imaginárias, deformadas e ou mutantes. E ao confrontar a “bizarrice” não compreendida, consegue aflorar uma empatia ao humanizar estes seres, desestruturando a opinião já segmentada da “normalidade”.

O filme pontua questões interessantes. A cumplicidade do neto e do avô; a distância individualista, egoísta e incompatível dos pais – que “internam seus próprios filhos” por não compreender seus “tempos” – e dos “seres normais” que integram a sociedade; a geografia do País de Gales; o navio que é impossível não aludir a “Titanic”, e seu James Cameron; e principalmente a representação da Segunda Guerra Mundial, esta que reverbera infinitas metáforas e elucubrações, como o cenário: a fenda temporal que se reinicia sempre três de setembro de 1943 (dia este que o céu da Itália foi completamente dominada pelas forças aliadas Nazistas). Os simbolismos remetem indiscutivelmente à diferença existencial (de exclusão à padronização de raça “ariana, pura e saudável” aos olhos humanos – que aqui é alimento dos “Monstros” e do “psicanalista da Flórida”).

Entre portais tridimensionais e perseguições por “Hollows” – um deles o ator Samuel L. Jackson foi escrito especialmente para o filme – que são espíritos maus que atacam os vivos com o intuito de devorar seus espíritos, neste caso, os olhos – a visão, que depreendem “Harry Potter” e o seriado “Fringe”, “O Lar das Crianças Peculiares” imprime entretenimento com metafísica. E todas as características dominantes de seu cineasta. Uma delas a de construir a sinestesia com o público. Nós sentimos a “nojeira”, a estranheza e a atmosfera abordada. Nós embarcamos na jornada aventura mais crescida de “Onde Vivem os Monstros”, de Spike Jonze e vivenciamos plenamente cada detalhe sombrio e submerso da fotografia, da direção de arte e da equipe de efeitos especiais (que usou mais truques práticos que digitais).

Após a estranha morte de seu avô (Terence Stamp), o jovem Jake (Asa Butterfield) parte com seu pai para o País de Gales. Lá ele pretende encontrar a srta. Peregrine, uma “Mary Poppins assustadora” (Eva Green), atendendo ao último pedido do avô, que lhe disse que “ela contará tudo”. Só que, ao chegar, descobre que o local onde ela viveria é uma mansão em ruínas, que foi atingida por um míssil durante a Segunda Guerra Mundial. Ao investigar a área, Jake descobre que lá há uma fenda temporal, onde a srta. Peregrine vive e protege várias crianças dotadas de poderes especiais. Concluindo, um filme recomendado. Que quando mais se assiste, mais camadas orgânicas timburtonianas são descobertas, abduzidas e deglutidas.

4 Nota do Crítico 5 1

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