Ninfomaníaca [Volume I]
O Dogma Publicitário do Sexo
Por Fabricio Duque
No universo cinematográfico, um
novo filme do cineasta dinamarquês Lars Von Trier (de “Dogville”, “Dançando no
Escuro”, “Melancolia”) é sempre um acontecimento, até porque desde o início de
qualquer processo de suas obras, a polêmica configura-se como elemento
publicitário. Admirando ou não o diretor, uma coisa não pode ser negada. Lars é
um competente marqueteiro. Ele consegue vender a ideia argumentativa de forma “espalhafatosa”
(estimulando a curiosidade do espectador, e assim despertar a essência
intrínseca de como cada ser humano se comporta). O gênero de arte (autoral) é
quebrado pela “engenharia” quase ilógica de Lars. Para que um filme comercial
(blockbuster) tenha visibilidade, faz-se necessário a inserção milionária da
divulgação. No caso “dinamarquês”, o que está nos holofotes é o próprio
conteúdo.
Em seus roteiros são recorrentes os temas morais clássicos,
explícitos em referências ao francês Victor Hugo e ao russo Fiódor Dostoiévski,
quebrando crenças maniqueístas. No seu mais recente filme “Ninfo()maníaca”, de
longuíssima duração (a versão final possui cinco horas – cortada pelos
produtores para quatro horas e dividida em duas partes), o diretor aborda a
história de uma viciada em sexo. O fato é que esta manipulação, por mais
excelente que seja, reverbera um resultado dúbio e provocador. Vamos pensar.
Uma obra com cinco horas, reduzida para quatro e dividida em duas partes, mesmo
com a melhor edição do mundo, perde no contexto narrativo. No afã de se agradar
a outro público (só pode), esqueceu-se que quem acompanha a carreira de Lars
não “criaria” ou reclamaria da duração original. Assim, na versão reduzida, a
montagem peca pela falta de material, que só será exibido integralmente no
Festival de Berlim (o volume um) e no Festival de Cannes (integralmente).
Os
quarenta minutos, publicitariamente, “interrompidos” contrasta o ritmo, equilíbrio
e a parte técnica visual (que busca ambientar a nostalgia atormentada pela
amoralidade da personagem principal, Charlotte Gainsbourg), mitigando o
andamento natural da trama, com o perdão da expressão, “punhetando sem gozar”.
O comentário crítico é um adendo desejado. O longa-metragem não deixa de ser
bom. Na verdade, muito bom. Os diálogos, quase em monólogos, de fábula
verborrágica, pela narrativa contada por capítulos de um livro (preâmbulo,
desenvolvimento e prólogo) conservam a estética “lars von trier” de ser (meio “Dogville”,
meio “Anticristo”). O único detalhe que não deveria ser revelado é o seu
início. Um fade em preto de quase seis minutos incomoda e desnorteia o
espectador, até mais do que as cenas de sexo (que são poucas). Como foi dito, o
filme encontra-se na fase de apresentação da história. Plano estático, o rock
dinamarquês, a estrutura de teatro “Beckett”, digressões, reconstruções visuais
que se despertam pelo conto (subjetivo), tudo ajuda a aprisionar. “História
longa é boa”, diz-se. “Sou um ser humano ruim”, rebate-se.
O cunho moral é o seu
protagonista. “Descobrindo a boceta com dois anos”, “Exigi mais do por do sol –
meu único pecado”, a matemática do sexo técnico (“3 e 5” – estudos sociais
sobre genitálias), “ser selvagem”, a metáfora da pesca no rio e da flor para
encontrar alguém, “peixes grandes estão longe da correnteza”, essas e muitas
outras pululam  de forma perspicaz, com
ou sem novidade, mas sempre com as devidas análises cruéis, questionadoras,
viscerais e incomodas. O vício do sexo aumenta-se por estímulos. Brindes
compensatórios, joguinhos competitivos, costumes adquiridos (regras próprias,
como jogar dados para escolher o próximo a transar – o dogma do sexo). Com o
tempo, a acidez torna-se parte integrante desta alma “construída” e “massificada”,
suavizada por opiniões racistas, idiossincráticas e de autoproteção. “Amor é
algo que nunca pedi – distorce as coisas. O exótico é uma maneira de dizer sim.
É por luxúria, não por necessidade. Insensibilidade. Sozinha”, diz-se. A
fotografia muda. Delírio dela? Dele? Da morte de seu pai? O sexo impedindo o
conhecimento? Talvez pelo trítono, um intervalo satânico. “O ingrediente
secreto do sexo é o amor”, repete-se. Será? O diretor desperta emoções,
desejos, pontos de vista não convencionais (e extremamente convencionais). E
finaliza com cenas do próximo capítulo. Um seriado HBO? Talvez. Concluindo, uma
coisa tem sua certeza absoluta: é obrigatório a ida ao cinema conferir o novo
filme de Lars Von Trier. Não perca!
5 Nota do Crítico 5 1

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