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Crítica: Château – Paris

A arte de sobreviver a cada dia com seus jeitinhos

Por Fabricio Duque


Conhecido como a Pequena África, o bairro Château d’Eau em Paris é a moradia “castelo” de milhares de estrangeiros e refugiados. Nigerianos, africanos, asiáticos, e tantas outras nacionalidades em “exílio”, convivem, de forma já integrada, com os franceses nativos. O lugar ambienta o cenário principal do filme “Château – Paris”, dos diretores Modi BarryCédric Ido, este último de descendência burquinense.

“Château – Paris” conduz-se pela espontaneidade, com uma câmera ora próxima e na mão (para estreitar a distância à imersão do espectador), que acompanha flashes instantes como um pedestre passante, ora observando de longe, escondida e protegida a fim de não interferir no que documenta, conseguindo assim um maior realismo das ações cotidianas. Tudo conjugado em paralelismo: a música que canta o “charme e a elegância de um pedaço do paraíso do sul da França, que é Paris”.

Sua abertura apresenta-se como um recorte turístico, que infere ao filme “Meia-Noite em Paris”, de Woody Allen. Se no do diretor americano o tom abraçava a homenagem e uma fantasia-fascínio do imaginário popular, aqui, o foco é a realidade nua e crua, que procura sobreviver dia-a-dia com que o que pode, tem e o que consegue. “É o que tem para hoje”, já dizia nossa máxima-gíria popular.

“Château – Paris” é sobre pessoas reais que lutam para vencer na vida, e entre trabalhos em salões de cabeleireiros, de fazer unhas, barbearias, lojas que vendem perucas, os imigrantes “marcam” com força de vontade passional de abordar (e recrutar) um tanto quanto mais intensamente (de forma quase ofensiva) pedestres “clientes” na saída do metrô às lojas de serviços de beleza.

Quem nunca reparou que na saída do Metrô do Largo do Machado, no Rio de Janeiro, há também “oferecedores” de passeios turísticos, que se posicionam quase em um “corredor polonês” aos “futuros clientes”. E ou no bairro de Chinatown, em New York, que os “ofertadores” expõem variados produtos, como bolsas, relógios e souveniers. Esta não é uma questão específica, tampouco particular de Paris, mas sim, de todo o mundo que cresce desenfreado, pautado e alimentado pelo consumo exacerbado do novo e do mais.

Charles (o ator Jacky Ido) é um francês de origem africana, que passa o dia pelas ruas do bairro popular de Chateau D’Eau, em Paris, lugar que cruzam pessoas de todas as origens: chineses, indianos, senegaleses, nigerianos. Ele tem a função de atrair novos clientes aos salões de beleza da região, especializados em penteados afro e cosméticos para a pele negra. No entanto, Charles sofre a concorrência de outro grupo, disputando a mesma clientela do bairro. Enquanto decide como conseguir mais dinheiro, ele sonha em abrir o seu próprio salão.

“Château – Paris” é sobre Charles, e sobre todos os outros Charles na mesma condição e sonhos, que almejam uma vida melhor, mais estabilizada e tranqüila. Ele observa seus “concorrentes”, dando direcionamentos e sem medos de confrontar com embates bate-bocas. É um mundo único, de competições entre elegantes gangues disfarçadas socialmente, visto que muitos ostentam a si mesmos com pulseiras e chamativos relógios. É a imposição do poder. Quem tem domina, quem não tem obedece. “Medo é uma emoção humana”, ensina-se a não demonstrar para que cresça o respeito, mitigue a submissão e cesse as humilhações, como a dona do salão que “corta as asinhas” da funcionária.

O longa-metragem é sobre jornadas, sobre a “corrida individual ao ouro”, sobre a contemplação das ações, reações e olhares tão naturalistas destes atores que encenam sem encenar. Esta é a maestria da interpretação: quando não se percebe seu medo hesitante da construção, e sim seu intrínseco essencial resultado. “Pare de complicar as coisas”, diz-se.

Cada um deles, entre planos, esquemas, contatos cúmplices com outros estrangeiros, avisos, conselhos, não orgulhosos pedidos de dinheiro, auto-análises de coloquiais existencialismos (“as pessoas são tão sujas”, “a revolução está voltando”), fugas na diversões de máquina de jogos, “negócios sérios”, proteções, “coincidências” versus “dedurações”, a arte de Bruce Lee, o “desvio” ao amor, o tempo para “ficar bonito com a barba feita”, ofertas, todos, potencializam seus desejos a acalmar a alma e aceitar seus “exílios” impositivos a uma terra nova, que mesmo já absorvida, ainda é um castelo, que precisa de instante à instante, seguir com a obra.

3 Nota do Crítico 5 1

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