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Crítica: Aracati

A autoralidade do humanismo psicológico

Por Fabricio Duque
Já é perceptível há algum tempo uma quebra dos limites entre o documentário e a ficção, cujo hibridismo reverbera um querer libertador pela experimentação livre de uma imposta padronização palatável das formas e narrativas construídas, logicamente sem deixar de respeitar o conceito essencial do conteúdo exploratório, do tema crítico e do naturalismo contemplativo quase em tempo real. A Alumbramento Filmes, além de produtora, é acima de tudo, um movimento coletivo que busca retornar essa raiz fílmica, ampliando possibilidades de se personificar a simplicidade existencialista de filosofia abstrata. Aqui, a natureza, com seus consequentes e esperados movimentos, “ganha” protagonismo. Traduz-se o elemento tempo, o vento, a geografia “analógica” que interfere no “progresso” contemporâneo. O longa-metragem “Aracati”, com pouco mais de uma hora, corrobora radicalmente todo este universo referenciado neste preâmbulo. Aracati, que a palavra em Tupi significa “ar bom, tempo bom”, é um município do estado do Ceará. É conhecido pela Praia de Canoa Quebrada. Teve seu núcleo urbano tombado em 2000 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio nacional. As diretoras Aline Portugal (de “Romance de Formação”) e Julia De Simone viajam nas tentativas atmosféricas de retratar o “balanço do vento” às comunidades do interior. Seguindo a rota, o vento parte do litoral e adentra pelo Vale do Jaguaribe, em uma percepção da relação do homem e a paisagem, as transformações do espaço e os limites entre a natureza e o artifício. O filme inicia-se contemplando o instante quase pausado por imagens de poesia-engrenagem geográfica-desértica-psicodélica-cósmica-naturalista, altamente hipnótica e sensorial. O espectador é “transportado” ao mundo abordado, desacelerando nosso presente e criando a nostalgia-melancólica de um tempo “utópico” e “escasso”. Em “Aracati”, “personagens” locais (“velhos amamontados”, “que só servem para mentir”) conversam e relembram passados temporais, como por exemplo, a vida antes do Rio, ou antes do açude, ou até mesmo antes de se pensar no próprio tempo, substantivo esse que era concreto e que agora some mais em mais de nossa existência e que se diz que “o vento do cearense” (“sobrenatural”, “que vem das ondas do mar”) é “para espalhar as mágoas”, “para carregar tudo”. “O vento varre até as coisas mal administradas” e que “causa admiração no povo”. “Se não causasse, vocês não estavam filmando, não é?”, pergunta-se, retoricamente, com uma incrível perspicácia. “Aracati” é muito mais que um simples documentário, é uma experiência antropológica visual à moda National Geographic, que tenta captar porquês e sentimentos não manipulados. É uma obra que “agrega” profissionais já conceituados, como a montagem de Clarissa Campolina e Luiz Pretti, e ou a finalização de Fred Benevides, e ou a pesquisa de Victor Furtado, e ou a colaboração de Marcelo Grabowsky, e ou o desenho de som de Hugo Silveira e Pedro Aspahan, entre tantos outros. É definitivamente uma obra autoral que busca fugir dos gatilhos comuns e clichês da arte do cinema, investindo em ideias cruas, brutas e de humanismo psicológico. Recomendado. O filme foi premiado no BAL, Laboratório de Projetos em Work in Progress, do BAFICI, e teve sua estreia internacional na sessão competitiva do IDFA 2015.
4 Nota do Crítico 5 1

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