Veterano cineasta Júlio Bressane e o cearense Petrus Cariry se consagram no Fest Aruanda com “Capitu e o Capítulo” e “Praia do Fim do Mundo”
Por Clarissa Kuschnir
Em tempos pandêmicos entrar em uma sala de cinema e poder assistir aos filmes em uma tela grande eu diria, é como o renascer da Fênix. E poder ter o privilégio de estar em um festival presencial (depois de dois anos reclusos e voltados apenas para os festivais de cinema online) é de uma emoção tamanha. E assim foi a 16º edição do Fest Aruanda, em João Pessoa, que encerrou na última quarta-feira, dia 15 de dezembro com chave de ouro, no formato presencial e também online (pelo Aruanda Play) o que reforça a tendência dos próximos anos, ao formato híbrido dos festivais (democratizando assim, o acesso a muitas telinhas). Mas nada, nada substitui estar presente nesses festivais. E o Aruanda mais uma vez mostra a força do nosso cinema, trazendo em sua curadoria mostras de filmes (curtas e longas metragens) que dialogam com as mais diferentes tendências e vertentes do nosso cinema, mesclando tanto o cinema independente e autoral, quanto o cinema mais comercial . Sem contar que o Fest Aruanda ainda traz a importante e concorrida Mostra Sob o Céu Nordestino, reforçando a importância do cinema regional e paraibano, que a cada ano cresce cada vez mais. Ou seja, sem dúvida, o Fest Aruanda vem se consolidando, como um dos maiores e mais importantes festivais de cinema no Brasil. E foram sete dias de muitos filmes, debates (a maioria online, lançamentos de livros e encontros cinematográficos, sem esquecer as regras e cuidados sanitários, como a solicitação das carteirinhas de vacinação na porta de todas as sessões), e com 50% da capacidade dentro da sala do cinema, ou seja , não havia lugar para o negacionismo. E dentro dessa programação, a curadoria do festival formada pelo jornalista e crítico de cinema Amilton Pinheiro e pelo fundador e produtor executivo do festival Lúcio Vilar , procurou fazer um recorte de filmes que estiveram em importantes festivais de cinema do exterior como Sundance, Roterdã, San Sebastián , Berlim, Cannes , Annecy e Veneza.
“Foi uma semana de muitas emoções, muitos debates e reflexões , em que o cinema esteve na pauta. O cinema paraibano, o cinema nordestino, o cinema brasileiro a também a produção curta-metragista portuguesa e de parte de alguns países da União Europeia. Então, foi uma semana intensa de mesas online que ampliaram e democratizaram o acesso às ações formativas e de reflexões do festival. E o saldo é extremamente positivo. É tão positivo que já anunciamos aqui na tela e vocês são testemunhas que a data do festival em 2022 já está cravada (será do dia 08 a 15 de dezembro). Dito isso eu gostaria de saudar a todos. Salve diretores, roteiristas, produtores, diretores e técnicos presentes nesta edição, que passaram nas telas aqui do Cinépolis. Salve a adolescência de seguir Aruandando durante esses 16 anos”, afirmou o produtor Lúcio Vilar, durante a cerimônia de encerramento.
A abertura do Fest Aruanda contou com o curta paraibano “A Canga”, de Marcus Vilar que completou 20 anos, importante cineasta daqui, com um curta seminal, e o mais novo trabalho da cineasta paulistana Laís Bodanzky, que traz para as telas dos cinemas “A Viagem de Pedro” (que não entrou na mostra competitiva) onde a diretora retrata (aliás, um filme tecnicamente perfeito) a viagem de navio do ex-imperador do Brasil de volta para Portugal. O longa é protagonizado por Cauã Reymond e se passa quase inteiramente dentro do navio onde Pedro se vê durante dois meses preso, em sua viagem passando por diversas e difíceis situações psicológicas de seus personagens e viajantes. Um misto de ficção e realidade, mas que não deixa de ser uma parte importante da história a ser retratada no cinema. “Esse é um filme de detalhes. É um filme que tem muito valor de produção na tela. Eu tinha que tomar cuidado para não passar a mão na cabeça desse personagem. O objetivo era desconstruir a figura desse herói dos livros de história” disse Laís sobre o personagem.
“Desde que escolhemos o filme da Laís Bodanzky para a abertura, que é um filme histórico, difícil, intimista, eu acho que ali já dava ideia de como funcionou o festival. É um filme que funcionou muito bem ao espectador. Sem contar que na abertura tivemos duas homenagens que foram para: o ator W.J Solha que se radicou na Paraíba e ao maestro José de Lima Siqueira, que foi de grande importância mas de uma certa forma apagado pela ditadura. Então esse pontapé inicial mostrou que estávamos no caminho certo”, afirmou Amilton Pinheiro, que assina como curador e diretor artístico do Fest Aruanda.
Amilton ainda reforçou a importância do recorte da curadoria e da volta do festival presencial:
“Quando vimos o festival sendo realizado e no presencial, tivemos o termômetro de como o festival funcionou. Havia uma incerteza por causa da pandemia. Os debates foram online (como o ano passado), então precisava ser atrativo. Na mostra competitiva nacional escolhemos filmes nacionais que tiveram carreira, em festivais internacionais. Esses filmes quando chegam aqui são muito disputados. E tivemos a sorte de trazer esses cinco filmes, que foram exibidos lá fora”, finalizou Amilton.
Ainda fora das mostras competitivas o festival trouxe em sua programação “Deserto Particular” de Aly Muritiba e o documentário “Ney – À Flor da Pele”, de Felipe Nepomuceno, que encerrou o Fest Aruanda com chave de ouro e com a presença ilustre do próprio Ney Matogrosso muito emocionado, de ver o documentário na tela grande.
Nas mostras competitivas nacionais destaque para “A Felicidade das Coisas” de Thais Fujinaga (que levou o prêmio de Melhor Roteiro e Melhor Atriz para Patrícia Saravy) que de forma muito leve, fala sobre uma família de classe média, que passa as tão sonhadas férias no litoral paulista e que tem como objeto de desejo, a tão sonhada piscina. O ótimo longa de animação “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente”, de Cesar Cabral, também foi um dos destaques da mostra nacional. O divertido stop-motion traz o chargista Angeli que transforma seu famoso personagem Bob Cuspe em um velho punk abandonado tentando fugir do deserto apocalíptico. O longa de animação saiu com o troféu Aruanda, de melhor direção de arte.
Já o veterano Júlio Bressane, no auge de seus 75 anos e ainda muito ativo, se consagrou no festival com o filme “Capitu e o Capítulo” levando os principais prêmios de: melhor longa- metragem, direção, figurino e ator coadjuvante para Enrique Diaz, além de melhor filme também, escolhido pela Abraccine – Associação Brasileira de críticos de Cinema. Muito bem produzido, o longa protagonizado por Mariana Ximenes, Enrique Diaz e Djin Sganzerla retrata de forma teatral e psicológica a recriação e um desdobramento de Dom Casmurro, a mais famosa obra de Machado de Assis.
A mostra competitiva nacional ainda contou com filmes “Salamandra”, de Alex Carvalho, vencedor na categoria de melhor ator para Maicon Rodrigues e “Madalena”, que recebeu seguintes prêmios: melhor montagem, trilha sonora, fotografia, duas menções honrosas e melhor filme pelo júri popular. “Madalena”, que esteve em competição em Roterdã , foi todo rodado no centro-oeste e aborda o desaparecimento e a morte de uma mulher trans, que acaba culminando no entrelace de três personagens diferentes, que tentam, cada um ao seu modo, justificar a ausência da pessoa Madalena.
Dos curtas nacionais, destaque para “Sideral” (primeira produção potiguar a concorrer à Palma de Ouro em Cannes) de Carlos Segundo, do Rio Grande do Norte, ganhador de quatro prêmios nas categorias: melhor filme, roteiro, som e ator, e os paraibanos “O Pato” de Antônio Galdino que levou os troféus de melhor montagem, figurino, atriz e direção e “Animais na Pista” de Otto Cabral que venceu como melhor montagem, trilha sonora, direção de arte e fotografia. O júri popular elegeu como melhor filme “Foi Um Tempo de Poesia”, de Petrus Cariry. O diretor cearense ainda se consagrou no festival com dez prêmios pelo seu belo e bem fotografado longa “A Praia do Fim do Mundo”. O filme fez parte das sempre concorridas mostras Sob o Céu Nordestino que ainda trouxe filmes relevantes e atuais como “Miami-Cuba”, da cineasta paraibana Caroline Oliveira, “Fendas” de Carlos Segundo e “Transversais” de Émerson Maranhão, que traz o depoimento sobre a vida cinco personagens transexuais e de como eles enfrentam os desafios do dia-a dia, por serem transgênero. Ou seja, é um filme de resistência e com muitos depoimentos, emocionantes.
E os curtas também não ficaram de fora dessa mostra que trouxe oito produções paraibanas, com destaque para: “Incúria” de Thiago Neves, “Terra Vermelha” de Allan Marcus e Leonardo Gonçalves, “Boyzin” de R.B.Lima e “O Que os Machos Querem” de Ana Dinniz.
HOMENAGENS
E nesses novos tempos, muitas foram as homenagens no Fest Aruanda. A começar pelas homenagens póstumas como o já citado maestro José Siqueira e ao cineasta paraibano Ely Marques, falecido recentemente vítima da Covid-19. Da dramaturgia, dois grandes e veteranos atores foram homenageados: o ator W.J Solha que se radicou na Paraíba e Othon Bastos, que traz em seu currículo, mais de 80 filmes. E ambos os atores, estiveram presente no festival muito emocionados com as homenagens.
‘’Não sou eu o homenageado. É o cinema, é Glauber Rocha, é Júlio Bressane. Quando se faz uma homenagem ela vale para mais além de tudo isso. Eu não recebo a homenagem como um prêmio, eu recebo como se alguém me tivesse doando alguma coisa. O Fest Aruanda vai me doar uma lembrança do meu tempo de atividade e de tantos outros”, disse o ator.
“Othon é um grande artista na modernidade e um grande artista brasileiro de todos os tempos. Os tempos em um país que muitas vezes o país vive uma triste sina. Ele é um criador. Se não fosse a nossa língua portuguesa com um código secreto, ele seria um ator para o mundo todo”, finalizou Júlio Bressane sobre o personagem Corisco interpretado por Othon em, “Deus e o Diabo na Terra do Sol’’, durante a mesa de debates em homenagem ao ator.
A paulistana Cristina Amaral, uma das mais importantes montadoras do nosso cinema, também foi uma das homenageadas no Fest Aruanda. “Precisamos fazer o que a gente acredita e com a maior sinceridade possível na tela. Isso é o mais importante, é fazer o melhor que você puder. Se você chegar a uma pessoa com integridade já está bom. Queria agradecer muito e eu acho que temos um cinema forte e um cinema que está buscando seus caminhos. E precisamos falar de políticas públicas, pois desde que o cinema começou a ter cotas regionais de produção, o cinema brasileiro ficou mais rico e melhor. Veio uma produção que desequilibrou essa formatação que estava sendo feita antes. É outro jeito de falar, outro sotaque, o que enriqueceu o nosso cinema.Agora é questão de manter e ampliar o acesso desses filmes pelo país. Estou dividindo com o Brasil inteiro essas homenagens”, finalizou Cristina durante a coletiva de imprensa.
Aruandar é preciso…
LISTA DE TODOS OS GANHADORES DO FEST ARUANDA 2021
PRODUÇÃO UNIVERSITÁRIA
Melhor Videoclipe
“Entranhado”, de Nathalia Bellar e Fabi Veloso.
Melhor Curta (TCC)
“O outro lado do espelho”, de Yanca Oliveira.
Menção Honrosa
“Videoclipe Calma”, de Ismael Farias
Prêmio Especial para a minissérie “O sumiço de Santo Antônio”, de Cely Farias e Waleska Picado, realizada pela TV UFPB.
Prêmio Especial do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro: “Toada para José Siqueira”
MOSTRA INTERNACIONAL UNIÃO EUROPÉIA
Melhor Roteiro
Ana Falcon, por “Tomorrow Island”
Melhor Fotografia
Michael Tebinka, por “Tomorrow Island”
Melhor Diretor
Jerônimo Sarmiento, por “Wild Game”
Melhor Filme
“Wild Game”, de Jerônimo Sarmiento
O Fest Aruanda também decidiu conceder um prêmio especial para a animação “Nós, os Lentos”, da Mostra Conexão Lusófona.
MOSTRA SOB O CÉU NORDESTINO
Curtas
Melhor Roteiro
Tiago A. Neves, por “Incúria”
Melhor Desenho de Som
João Yor e Cácio Bezerra, por “Noite no Sítio”
Melhor Edição
Diego Pontes, por “Tecendo Histórias”
Melhor Trilha Sonora
Amaro Mann, por “Tecendo Histórias”
Melhor Direção de Arte
Erick Marinho, por “Incúria”
Melhor Figurino
Nai Gomes, por “Adarrum”
Melhor Fotografia
Leonardo Gonçalves, por “Terra Vermelha”
Melhor Ator
Geyson Luís, por “Boyzinho”
Melhor Atriz
Ana Marinho, por “O que os machos querem”
Melhor Direção
Tiago A. Neves, por “Incúria”
Troféu Rodrigo Rocha/Cagepa de Melhor Curta Paraibano
“O que os machos querem”, de Anna Diniz
Menção honrosa
“Flor no Quintal”, de Mercicleide Ramos
Melhor Curta Sob o Céu Nordestino segundo o júri popular
“Noite no Sítio”, de Lucas Machado
MOSTRA SOB O CÉU NORDESTINO
Longas
Melhor Roteiro
Caroline Oliveira, por “Miami-Cuba”
Melhor Desenho de Som
Érico Paiva, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Edição
Petrus Cariry e Firmino Holanda, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Trilha Sonora
João Victor Barroso, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Direção de Arte
Sérgio Silveira, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Figurino
Lana Patrícia Benigno, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Fotografia
Petrus Cariry, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Ator ou personagem masculino
O júri optou por não conceder prêmio de melhor ator
Melhor Ator coadjuvante
Ruston Liberato, por “Fendas”
Melhor Atriz ou personagem feminino
Marcélia Cartaxo, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Atriz ou coadjuvante
Fátima Muniz, por “A Praia do Fim do Mundo”
Melhor Direção
Petrus Cariry, por “A Praia do Fim do Mundo”
Troféu Aruanda/Cagepa – Melhor Longa Sob o Céu Nordestino
“A Praia do Fim do Mundo”, de Petrus Cariry
Menção honrosa – “Transversais”, de Émerson Maranhão
Melhor longa Sob o Céu Nordestino segundo o júri popular
“Miami-Cuba”, de Caroline Oliveira
PRÊMIO DE CRÍTICA (ABRACCINE)
Melhor Curta-metragem da Mostra Nacional segundo o júri Abraccine
“O Pato”, de Antônio Galdino
Melhor Longa-metragem da Mostra Nacional segundo o júri Abraccine
“Capitu e o Capítulo”, de Júlio Bressane.
TROFÉUS DA MOSTRA NACIONAL FEST ARUANDA
Curtas
Melhor Roteiro
Carlos Segundo, por “Sideral”
Melhor Desenho de Som
Miguel Sampaio, por “Sideral”
Melhor Montagem
Ely Marques por “Animais na Pista” e “O Pato”
Melhor Trilha Sonora
Eli-Eri Moura, por “Animais na Pista”
Melhor Direção de Arte
Thiago Trapo, por “Animais na Pista”
Melhor Figurino/Cenografia
Tamyres Dysa, por “O Pato”
Melhor Fotografia
Rodolpho de Barros, por “Animais na Pista”
Melhor Ator
Enio Cavalcanti, por “Sideral”
Melhor Atriz
Norma Góes, por “O Pato”
Melhor Direção
Antônio Galdino, por “O Pato”
Melhor Curta-Metragem
“Sideral”, de Carlos Segundo
Menção Honrosa para “Foi um tempo de poesia”, de Petrus Cariry
Melhor curta-metragem nacional segundo o júri popular
“Foi um tempo de poesia”, de Petrus Cariry
Longas
Melhor Roteiro
Thais Fujinaga, por “A Felicidade das Coisas”
Melhor Desenho de Som
Confraria de sons e charutos por “Bob Cuspe – Nós não gostamos de gente”
Melhor Montagem
Lia Kulakauskas, por “Madalena”
Melhor Trilha Sonora
Junior Marcheti, por “Madalena”
Melhor Direção de Arte
Daniel Bruson, por “Bob Cuspe – Nós não gostamos de gente”
Melhor Figurino
Maria Aparecida Gavaldão, por “Capitu e o Capítulo”
Melhor Fotografia
Guilherme Tostes, Tiago Rios , por “Madalena”
Melhor Ator
Maicon Rodrigues, por “Salamandra”
Melhor Ator coadjuvante
Enrique Diaz, por “Capitu e o Capítulo”
Melhor Atriz
Patrícia Saravy, por “A Felicidade das Coisas”
Melhor Atriz coadjuvante
Magali Biff, por “A Felicidade das Coisas”
Melhor Direção
Júlio Bressane, por “Capitu e o Capítulo”
Melhor Longa-Metragem
“Capitu e o Capítulo”, de Júlio Bressane
Menção Honrosa ao Argumento do filme “Madalena”, de Madiano Marcheti, escrito por Madiano Marcheti, Thiago Gallego, Thiago Ortman, Tiago Coelho.
Menção Honrosa pela qualidade de atuação do elenco do filme “Madalena”, com Natália Mazarim, Rafael de Bona, Pamella Yule, Chloe Milan, Mariane Cáceres, Nádja Mitidiero, Joana Castro, Edilton Ramos, Maria Leite, Antonio Salvador, Lucas Miralles.
Melhor longa-metragem nacional segundo o júri popular
“Salamandra”, de Alex Carvalho