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Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente

Punki is noti dedi

Por Ciro Araujo

Durante a Mostra de SP 2021

Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente

Não há mais nada que se traduza nas charges oitentistas de Angeli como na burguesia paulista esguia e revoltada. Para resgatar e ressuscitar tantos motes, nada como “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente”, stop-motion de Cesar Cabral, que previamente trabalhou com o cartunista e também outras temáticas do underground dissidentes da defunta revista em quadrinhos “Chiclete com Banana”. Na mesma linha, a animação apela para uma sequência de transições de gêneros transparecendo-se em um vampirismo palatável para puxar para si mesmo questionamentos que representem o também chargista.

“Punk is not dead”. O grito mais comum de qualquer um no meio, totalmente debochado para uma cultura que ironicamente ficou muito mais escondida em seu próprio ambiente. Em paralelo, o personagem de Bob é aquele “velho carcomido”, alguém se definhando no ato de rebeldia que, apesar de existir anteriormente, ficou marcado a partir do punk e do (irônico) surgimento da cultura underground. E na realidade, como o próprio Angeli diz nas diversas entrevistas gravadas para passar por baixo das próprias animações de Cesar, ele próprio se vê muito no personagem fictício. Para construir uma animação onde seu protagonista que dá o nome ao filme se revolta com o criador, o diretor compreende que há a necessidade no texto de ligar as sensações derramadas pelo desenhista. E esteticamente, o encontrado de forma tão fidedigna é justamente uma mistura de comédia, road-trip, filme B e documentário. Recortando e montando, encontrando falas soltas e perdidas, “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente” começa a montar um roteiro que conversa entre os momentos animados. O trabalho básico de documentar, na realidade, está feito. As fronteiras da realidade nem precisam de seu stop-motion para funcionar, mas complementa-se. É ali que o espaço criado fica turvo, inclusive. Angeli é confrontado muito mais como um espelho, um Frankenstein, por assim dizer. Inclusive, muito provavelmente referência mais forte na temática “criador contra criação”.

E querendo ou não, Cesar Cabral sabe que ali possuía um material de ouro para produzir um exemplo de animação brasileira. Ainda após emplacar “Dossiê Rê Bordosa”, o trabalho de promover o aprimoramento do que é, ao menos tradicionalmente, um condicionamento manual; Aqui, os personagens são fluidos. Em um relance, “Anomalisa” que trabalha a cognição mental, se sai como também um modelo utilizado pelo filme. A obra se interessa bastante pelo humano, uma produção que usa do processo da rotoscopia – isto é, utilizar filmagens reais para criar a animação – porém em meios de stop-motion. O que é inegável, traz um orgulho totalmente próprio.

De certa forma, “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente” estruturalmente acredita em utilizar o próprio formato de tirinhas como adaptação. O documentário, entrevistas direcionadas ao autor, são de uma dinâmica já conhecida, enquanto as aventuras no apocalipse do universo “Chiclete com Banana” são conjuntos divididos em núcleos. Uma estrutura à lá A Odisséia, de encontro com novos personagens, um pastiche já tão batido. Mas engana-se que isso seja uma crítica, é um acerto grandíssimo do roteiro. Qualquer road-trip que se preza (em paralelo é claro que essa não é via de regra) precisa estar pronto para entrar nessa padronização. E é delicioso assistir a progressão, existe uma comédia risível a cada obstáculo encontrado que muita das vezes são brincadeiras ao próprio mundo criado por Angeli e agora deixado de lado definhando em um deserto. Detalhe, claro, é à própria postura de criador. Atuação de si próprio que na verdade é um simulacro para outra versão, o Velho Cartunista, muitas vezes descrito.

É uma coisa muito mais sobre amargura e a passagem de tempo para aquele modo revoltado de se viver. Em meio ao “Mad Max” oferecido nessa surra de filmes B para sugar e trazer a estética underground, Cesar também acerta ao entender o legado de Bob Cuspe e seu entorno. Afinal, sua própria importância está ali ao promover uma região que na época, nos quadrinhos, era abandonada. Angeli teve a sua importância como criador e tem própria consciência, mas nada mais adequado que ele próprio brincar com um grande dane-se e ressuscitar o que antes havia engavetado – e curiosamente, não matado, diferente de Rê Bordosa – parodiando-se a si. Pode até chamar de uma curta biografia inventiva, com um objeto já limitado.

4 Nota do Crítico 5 1

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