Presidente
Anatomia dos interesses
Por Vitor Velloso
Durante o Festival É Tudo Verdade 2021
Camilla Nielsson realizou o “Democratas”, onde tratava da nova constituição no Zimbábue, após a queda de um governo que durou 37 anos. A cineasta dinamarquesa lança seu novo longa “Presidente” para mostrar que as novas eleições no país não estiveram alinhadas com a última proposta democrática.
Assim como “9 Dias Em Raqqa”, existe uma desconfiança que rege a experiência de maneira inicial e “Democratas” não é exatamente honesto com algumas de suas informações, partindo de uma perspectiva unilateral e dicotômica do imbróglio político. Seu novo documentário, parte novamente de uma ideia de fim “demarcado”, pois o filme irá acompanhar as eleições e o anúncio do novo presidente. Contudo, algumas ideias direcionam o filme para uma análise (sem crítica) que recria aquela dicotomia anterior, com novas figuras centrais, que evocam os fantasmas do passado.
Novamente, Nielsson utiliza uma abordagem unilateral que visa essa “Revolução Democrática” e não cria um diagnóstico da campanha. “Presidente” é um recorte de como as fraudes aconteceram, como a polícia se torna um aparato de intimidação e de um esquema autoritário que mantém a estrutura de poder que Mugabe concretizou, agora com Mnangagwa à frente. A questão circense chama atenção, a explícita falta de compromisso com a Constituição é algo realmente notável, mas a exposição do problema eleitoral que o documentário faz, se torna a grande relevância da obra. Encontrar informações sobre o governo de Mugabe e notícias recentes do Zimbábue não é tão fácil e o pouco acessível, não é de grande confiança.
Assim, o filme de Nielsson entra como uma chave importante para debate e problematização de determinadas medidas autoritárias que modificam o cenário político de toda uma região na África. Vale lembrar que Moçambique faz fronteira com o país.
O documentário acompanha Nelson Chamisa, em sua corrida eleitoral, para se tornar o novo presidente em um “Zimbábue Democrática”, na projeção de um governo escolhido pelo povo. Para isso, o longa estrutura boa parte de seu material em torno de comícios realizados por todo o país e o espectador acompanha parte de seu dia-a-dia com o conselho do partido e pessoas que trabalham em sua campanha. O tema das fraudes é uma preocupação presente desde o início da projeção e constantemente os personagens debatem maneiras de garantir que o resultado correto seja anunciado. A montagem de “Presidente” constrói essa conjuntura eleitoral, partindo desse apoio popular que deveria eleger Chamisa e se frustra com a retomada do partido deposto ao poder.
O filme vai atrás dessas repressões, atentados e do rosto de cada um dos envolvidos. Antecipa a trama fraudulenta ao focar e manter o plano fechado nos responsáveis futuros. Ou seja, tudo no documentário está funcionando para que o espectador possa compreender o caos político que o Zimbábue está passando e como essa resolução não possui um fim positivo. E existe uma manipulação evidente aqui, a montagem acompanha até as elevações esperançosas que ocorrem, transforma a própria estrutura nessa campanha, compõe o processo com um dinamismo ímpar, utilizando uma decupagem que não cessa diante do personagem. É uma espécie de “reportagem” com duração de cento e trinta minutos, mas que é arquitetada para causar sentimentos pré-elaborados. Sua proposição maniqueísta não bagunça tanto o barato pois consegue esclarecer uma realidade que não chega aos meios de comunicação com facilidade, mas demonstra que determinadas produções estão mais interessadas no “levante democrático” que em uma análise totalizante do país. Incapaz de fazer uma crítica contundente, “Presidente” surge como um retrato frio de uma problemática política que possui precedentes, mas que não soaram interessantes para o material elaborado aqui.
O investimento metódico em material próprio, expõe a consciência da importância do que se produz, mas revela que há uma falta de interesse no debate. Como dito, é uma reportagem rápida, dinâmica, que poderia ser lançada em um grande veículo de comunicação internacional, que estivesse torcendo pelos avanços democráticos no Zimbábue. Mas o jornalismo me parece pouco interessado nessas notícias. Aliás, o juiz que ajudou a eleição de maneira direta e criminosa, possuindo a representação durante a posse do novo presidente, nos lembra um colega de cargo terceyro mundista. Acho que virou moda.