O Último Episódio
Processos e os registros
Por Vitor Velloso
A produtora mineira de Contagem, Filmes de Plástico, já conquistou o Brasil e o mundo ao emplacar seleções e prêmios em festivais de cinema nacionais e internacionais com seus curta-metragens, como “Fantasmas” (2010) e “Quintal” (2015), de André Novais, “Nada” (2017), de Gabriel Martins, e “Quinze” (2014), de Maurílio Martins; além dos longas “Temporada” (2018), de André Novais, “No Coração do Mundo” (2019), de Gabriel e Maurílio Martins e, claro, “Marte Um” (2022), de Gabriel Martins, que contou com uma discreta campanha para a seleção no Oscar. No filme “O Dia que te Conheci” (2023), de André Novais, foi possível notar uma mudança de perspectiva nas produções da Filmes de Plástico. Contudo, aquilo que poderia parecer uma guinada isolada ou deslocada de Novais ganha companhia e um formato mais articulado com o grande público no novo filme de Maurílio Martins,“O Último Episódio”.
O projeto transita entre uma chave infantojuvenil e uma perspectiva nostálgica dos anos 1990, tendo o “ato de filmar” como parte de sua força motriz. Em alguma medida, é interessante observar como essa nostalgia não parece ser a única base de sustentação dessa construção narrativa, nem a presença fantasmagórica do pai, na memória e nos registros familiares, representa o fim dessa estrutura dramática. Contudo, há certa dificuldade em costurar alguns elementos da história — ou, talvez, em equilibrá-los. A quantidade de personagens e situações vai se avolumando a tal ponto que o longa parece não conseguir mais aglutinar tudo de forma harmônica, perdendo parte de seu ritmo e foco. Se a amizade entre Erik (Matheus Sampaio), Cassinho (Daniel Victor) e Cristão (Tatiane Costa) é parte central do longa, todos os demais elementos que surgem ao longo da narrativa aparecem desfocados da ideia principal, funcionando quase como artifícios. A exceção é a relação entre Erik e sua mãe, Milene (Camila Morena), desenvolvida a partir da ausência no dia a dia e da figura de Vilmar (Daniel Jaber), pai e marido, que se mantém como uma sombra onipresente nessa relação.
Dessa forma, à medida que “O Último Episódio” tenta refletir sobre seu contexto (1991) — o amplo cenário político que serve de pano de fundo; o trabalho de Milene como remarcadora em um mercado; o ato de criação, com as crianças encenando o que seria o último episódio de Caverna do Dragão; e a paixão platônica de Erik, entre outras investidas que não ganham desenvolvimento, apenas exposição abreviada —, percebe-se uma dispersão de foco. Por um lado, é compreensível que alguns desses elementos não sejam aprofundados, já que a perspectiva do projeto é a de Erik, um pré-adolescente; por outro, o roteiro, assinado por Maurílio Martins e Thiago Macedo, parece não conseguir traçar um recorte definitivo de seus temas e objetos, escorando-se sempre em uma nova temática a ser apenas pincelada e “superada”. Não por acaso, na resolução, surgem personagens que o espectador já nem lembrava mais, pois são passagens breves, pontuais e, na maioria dos casos, com pouco impacto na narrativa.
Ainda assim, “O Último Episódio” é muito eficaz em compreender as partes formulaicas de um coming of age e em adaptar parte desse conteúdo programático às características do cinema praticado em Contagem, estabelecido pela produtora mineira. Ou seja, por mais que haja uma intencionalidade em se curvar a um apelo mais comercial — e isso seja evidente —, há a manutenção de uma identidade social e formal. É interessante notar como a produtora mudou suas características e ainda se manteve reconhecível, ainda que este novo filme tenha alguma dificuldade em sustentar seus campos de discussão e exposição, tendo apenas o segmento de Erik e Milene funcionando de forma integral. Esse trecho trabalha de modo sucinto e preciso a mudança na forma como os aluguéis funcionam e toda a “nova” perspectiva que a década de 1990 trazia ao contexto social brasileiro, neste caso, àquela família. Já toda a comunhão do bairro não é bem elaborada, assim como o ambiente escolar também parece um tanto deslocado dessa construção geral. Apesar de bastante simpático e carismático, o novo filme de Maurílio Martins também soa descaracterizado em suas próprias ambições, talvez tentando abarcar tanta coisa em um processo de representar descobertas e amadurecimentos, que os elementos ao redor vão se diluindo e se tornando meros adornos.