O Silêncio das Ostras
Ciclos de lama
Por Vitor Velloso
Assistido durante o Festival do Rio 2024
Marcos Pimentel é um diretor que procura debater um recorte da realidade brasileira em cada novo projeto, em alguns de seus projetos como: “Fé e Fúria” (2019), “Os Ossos da Saudade” (2022) ou “Amanhã” (2023), o cineasta faz um largo esforço para compreender uma realidade particular como seu objeto cinematográfico, desenvolvendo uma abordagem de sentimentos e revoltas ao longo de cada obra. Em “O Silêncio das Ostras” não é diferente, existe uma estrutura que apresenta lentamente os personagens, seu contexto particular, seus dramas, para que o espectador tenha acesso aos debates políticos ao tempo que se aproxima da problemática de cada personagem.
Porém, o desenvolvimento do filme é arrastado e pouco objetivo nos seus recortes, com uma montagem que atravessa uma série de momentos distintos, quase sempre ilustrativos para uma determinada exposição ou tentativa de crítica política e de denúncia social de uma realidade específica, mas sem conseguir ser efetivo na ligação dessa larga paisagem apresentada com as relações que procura projetar. A partir dessa perspectiva, o longa até consegue relacionar esse cenário com os dramas dos personagens, relacionando essa realidade material com as consequências concretas na vida de cada um, seja sanitária, emocional, econômica, social ou mesmo de dignidade básica enquanto ser humano. O problema é que o projeto tem muita dificuldade em ultrapassar uma camada de denúncia superficial na maior parte do tempo, mantendo a exposição como única ferramenta de desenvolvimento e criando uma camada de suspensão para o debate. Não por acaso, quando acontece um salto temporal no filme, o espectador é convidado a assistir novamente todas as etapas que marcaram a primeira metade. Desta forma, mesmo que possamos compreender tratar-se de uma história cíclica, sem a possibilidade de escapatória, nunca há uma crítica estrutural ao processo desumano e criminoso que assistimos, apenas o caráter explícito desse contexto. Ou seja, é um recorte realizado sem a dimensão da causa de suas consequências e vice-versa.
Não por acaso, “O Silêncio das Ostras” recorre à imagens de arquivo de Barragem do Fundão, em Bento Rodrigues, e, 2015, e da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019, para ilustrar sua própria condução, pois não consegue traçar uma narrativa que cresça na direção dessa tragédia. Logo após essa exposição, o filme não consegue se reencontrar e persegue algum objeto para se apegar, pois além de perder seus referenciais dramáticos, tem dificuldade de assimilar o desastre ambiental para sua estrutura. De alguma forma, esse desnorteamento é um processo visto tanto na paisagem quanto na protagonista, Kaylane, interpretada por Bárbara Colen, mas não é como se a obra em algum momento tivesse encontrado seu caminho. Aliás, apesar de toda uma construção da realidade material, não há um distanciamento para os verdadeiros culpados do desastre, que permanecem como entidades sem rosto e sem propósito.
“O Silêncio das Ostras” consegue transmitir essa repetição histórica através do drama familiar, especialmente na forma como expõe os grilhões do patrão e a falta de horizonte de cada trabalhador e morador da região. Talvez o mais perto que a obra tenha chegado de realmente tensionar o sistema econômico que gere a mineradora, seja na relação da propriedade e o direito a terra, que é colocado em cheque com o falecimento de um personagem, mas tem dificuldade de seguir qualquer caminho que possa criticar de forma ampla esse cenário desastroso e politicamente arquitetado. Assim, quando o filme decide apelar para uma história brasileira de resistência e genocídio soa absolutamente artificial, justamente por não traçar nenhum tipo de discussão anterior, saltando de forma conveniente para uma ligação quase utilitarista.
A despeito de suas irregularidades, o novo projeto de Marcos Pimentel é de uma beleza ímpar, conseguindo alguns belos planos com a fotografia de Petrus Cariry, que por vezes é capaz de gerar angústia através do isolamento da protagonista ou por limitar a luz em determinado enquadramento. Porém, isso não é o suficiente para sustentar um longa que tem tanta dificuldade de encontrar seu objeto dentro de um recorte tão estabelecido, que persegue seu fim desde os primeiros minutos, não como tragédia, mas por insuficiência.