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O Diabo de Cada Dia

À danação

Por Vitor Velloso

Netflix

O Diabo de Cada Dia

O novo lançamento da Netflix chega com grande expectativa ao catálogo. Diversos astros, violência, sul dos EUA e religião no mesmo balaio. “O Diabo de Cada Dia” é uma carta na manga, bastante funcional, para gerar algum tipo de reverberação na crítica cinematográfica, aliás, Antônio Campos, diretor, é um querido de uma parcela desta. Mas o cineasta entrega um produto à altura de sua carreira, sendo cirúrgico em sua assinatura, o tédio assombroso que assola suas tentativas de construção de personagens. 

Em “Christine” a narrativa proto-interessante recebia uma dose de câmera lenta na mão do diretor, onde sobre paciência pro mesmo, fica de resto na montagem. Pois suas obras são marcadas pela burocracia dramática, que aliada à exposição aqui em “O Diabo de Cada Dia” torna-se mimese de um pensamento ideológico descompensado, a crítico. O apreço do diretor pela psique de seus personagens se transforma em exercício didático através da narração que marca o longa do início ao fim. Se o compasso bíblico ganha aqui a forma da violência no interior dos EUA, o mesmo pode-se dizer de suas falhas tentativas de relacionar a fé com determinados atos dessa brutalidade generalizada. 

Um de seus melhores eixos narrativos, o do casal serial killer, fica aquém da construção, torna-se objeto de fetiche sanguinário do próprio filme, que se contenta com a exposição de seus atos ao fim da obra, como quem desrespeita a própria trama. Bill Skarsgård e Jason Clarke tentam tirar leite de pedra aqui, há esforços sensíveis dos dois. Porém, seus personagens retornam ao limbo do “já voltamos em você”. Robert Pattinson não aparenta acreditar muito no projeto e parece estar replicando parte de suas atuações. Tom Holland tenta dar algum dinamismo pro lento rio de Antônio, mas se frustra constantemente pela inocuidade apresentada. O tema não é propriamente um pilar de violência degenerada vazia, há alguma substância presente, mas nada flui para que haja alguma concepção crítica daqueles fatos.

É tudo mera exposição. O filme parece ir no mesmo passo que “Bobo”, personagem faz-tudo-sem-chiar. O longa replica todo um arquétipo datado do gênero, incluindo a narração do autor da obra original, Donald Ray Pollock. Acredita estar sendo crítico com parte da histórica norte-americana, quando está de conluio com boa parte de seu fanatismo, o da violência. O eterno fetiche da Trumpland. Nada parece estar a salvo nessa terra de ninguém, ou é isso que o longa tenta nos mostrar. “O mal não possui faces”. Mentira deslavada. Ou alguém viu ali um padrão fora dos eleitores dos genocidas em comum na história norte-americana? 

Em “O Diabo de Cada Dia” o trauma caminha ao lado do alicerce fanático, da religiosidade, onde o culto ao cadáver ganha força na imagem exterior cristã. A podridão toma forma santificada em meio à floresta, campo de concentração dos lunáticos. E é onde o filme passa a perder sua força, pois trabalha no imaginário das instituições morais, cristãs, não nos símbolos herdados pelos mesmos. O dogma é convertido em perversidade, quando está unilateralmente inserido no jogo de poder. E se o personagem de Pattinson serviria como base para fim desse jogo macabro, que põe em cheque uma tentativa bem sucedida de suicídio desistido, a trama parece querer sempre seguir o caminho da inocuidade pragmática. Resumindo as ações nessa psicologia barata, mundana, doentia. Quando, repito, as bases dessas questões são encontradas justamente na ontologia desse poder, dessas relações sociais, das classes. É na política que se determina essa constituição do aval vingativo. 

Ou o longa realmente acredita que esse determinismo isolado e particular é o suficiente para traçar qualquer categoria crítica dos norte-americanos? Não. Pois é um exercício de gênero frustrado, que leva a cabo esse dogma industrial. Troquemos um dogma pelo outro, seguimos os mandamentos daquele que tudo vê, mira em premiações fajutas e “O Diabo de Cada Dia” está feito. Exercício neoliberal que tenta pôr em cheque a verdade Histórica, deturpa as instituições, pois quer acabar com esse julgamento generalizado da sociedade, transforma o júri banal, cotidiano, em verdade absoluta. 

E se em algum momento o filme concebe a relação do Estado com essas instituições de maneira atravessada pela História, esquece que é desse mesmo pilar que se enxerga o próprio umbigo. 

Antônio compreende a linguagem a partir desse imaginário, determinando toda uma relação pragmática da mise-en-scène, não há o olhar cru e tortuoso de um S. Craig Zahler, apenas uma reprodução esquemática do padrão industrial. É determinismo de linguagem, que abraça o óbvio, mira a construção, acerta o determinismo e conclui-se em mediocridade. 

2 Nota do Crítico 5 1

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