Frankie
O simbolismo da vida e da morte
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2019
Integrante da mostra competitiva oficial do Festival de Cannes 2019, “Frankie” é aquele típico filme que o espectador esquece que assistiu após um tempo, como se perdesse a concentração durante a exibição e adentrasse um portal do não interesse. É um sentimento estranho, mas comum, que se explica talvez pela consciente ideia filosófica do limbo. Sim, a mente humana é um mistério e, sim, sinapses bem estimuladas fazem com que um longa-metragem viva para sempre e com a lembrança das cenas icônicas.
Dirigido por Ira Sachs (de “Deixe a Luz Acesa”, “Melhores Amigos” e “O Amor é Estranho”), o longa-metragem desenvolve-se propositalmente pela estranheza física do cotidiano, com suas reações à beira do surrealismo e seu humor de distância editada, à moda atmosférica de Elia Suleiman (“Paraíso Deve Ser Aqui”). Mas ao contrário do cineasta israelense, o diretor americano busca a complacência narrativa quando suaviza a desafeição e o o explicar-o-diferente. O elenco de peso, que tem a missão de dar sustância à encenação, conta com a atriz francesa Isabelle Huppert (sendo exatamente Isabelle Huppert) e Marisa Tomei (principalmente por seu papel em “O Amor é Estranho”).
“Frankie” perde-se quando pretende demais ser o que almeja, inserindo demasiados gatilhos de conexão descontínua (mascarados de tom naturalista). Traduzindo, é um filme que pensa demais para agir. Arquiteta-se a perfeição, mas não leva em conta o elemento orgânico, humano e intrínseca da existência essencial de uma narrativa cinematográfica de como ela é na verdade sem retoques. Entre piscinas com luz nostálgica e topless “porque é bem fotogênica”, a personagem de Isabelle embarca em uma viagem ao cinismo, em que “tired (cansaço) é sexy”.
O filme quer porque quer comporta-se livremente, mitigado de sociais convenções moralistas do “dinheiro e amor”, dos “maridos juntos” e da mãe que fala “a verdade” sem filtros. Sim, mais uma vez, há um desejo idiossincrático em reconstruir a atmosfera de Woody Allen, com seus bastidores, encontros e uma pitada a mais de universalidade das culturas e línguas. Assim, os diálogos soam artificiais em uma teatralidade de pré-ensaio. “Não será independente se eu te disser onde vou”, diz-se com humor ingênuo que encontra a simplicidade cliché de se fazer graça, quase infantilizada.
Como já foi dito, em “Frankie”, Isabelle Huppert é Isabelle Huppert, com suas falsas reações de naturalidade. Ou ela é tão boa atriz que já incorporou em seus papéis as próprias personagens. É “agressiva” e “tudo sobre ela”, trabalha nos filmes, aceita desafios de Star Wars e sempre com a máxima de “ir antes de planejar o futuro”. O que assistimos é uma sucessão de esquetes continuadas e conectadas à prática característica de Hong Sang-Soo, que já trabalhou com a atriz em “A Visitante Francesa” (2012). Só que aqui, a ambiência trespassada assemelha-se àquelas histórias das aulas de inglês: falam pausadamente, com didatismo do pensar, com espera na respostas, com a necessidade da redenção do “seja gentil” e com reações performáticas.
O longa-metragem especula uma aventura de uma vida, com quês referenciais de outras obras cinéfilas, como a de “Cópia Fiel”, de Abbas Kiarostami. Uma tentativa de naturalizar o minimalismo existencial enquanto estágio social. Alguém por exemplo, preocupa-se com os Paparazzi na intimidade de uma atriz, só que esta famosa não está mais vulnerável às futilidades do mundo, evoluindo até concretizar o equilíbrio transcendental, em uma crônica mais auto-ajuda, de se descobrir durante o próprio caminho de aceitar a morte transformando a vida.
Frankie é Isabelle Huppert, personagem que descobre um câncer terminal e se refugia em Sintra, Portugal, lugar não apenas histórico, mas extremamente simbólico, visto que durante muito tempo foi um santuário real, destino escolhido por humanistas e artistas para o auto-conhecimento. A atriz vem desconstruindo sua carreira ao realizar papéis mais independentes, como por exemplo em “Copacabana”, de Marc Fitoussi. Isso pode talvez explicar a mise-èn-scene de “Frankie” (definido como “um filme sobre a definição de família” pelo diretor Ira Sachs – que buscou inspiração em Satyajit Ray e seu “Kanchenjungha”, de 1962), que se desenvolve pelo limite tênue dosado entre ingenuidade e sensibilidade. “A ideia era colocar Isabelle em outro lugar, porque Verdade seja dita, os franceses não têm histórias interessantes nos Estados Unidos… Normalmente, só quando se vão embora”, disse na coletiva de imprensa no Festival de Cannes.