Flamin’ Hot: O Sabor Que Mudou a História
Arde de um jeito bom?
Por Pedro Sales
Na esteira de filmes que contam a história de um produto ou marca, como “Air” e “Fome de Poder”, “Flamin’ Hot: o Sabor Que Mudou a História” é mais uma obra que se insere na germinação de um produto, da ideia inicial às prateleiras. O sabor de Cheetos que se provou um sucesso nos Estados Unidos, no entanto, não é popular aqui em terras brasileiras. Dessa forma, é natural que boa parte do público nacional sequer esteja familiarizado com o produto. Mesmo com esse fator limitante que não traz tanta identificação como marcas já assimiladas pelo espectador/consumidor, Nike e McDonald’s, por exemplo, a obra de Eva Longoria se vale de uma estrutura narrativa clássica de ascensão e sucesso. A mesma dos outros dois filmes citados, o que por si só já envolve o público independentemente de ser um produto – e um filme – menor. Além deste espírito empreendedor contido no filme, com um fundo moral inspirador e “transformador de mindset”, há o fator de o protagonista ser um cara de classe baixa, mexicano e comum.
Richard Montañez (Jesse Garcia) sempre teve que lidar com preconceitos por vir de família mexicana, resguardando sempre o orgulho de suas origens e uma visão empresarial desde a infância. Quando um valentão diz que burrito é nojento, o pequeno Richie faz com que um dos “capangas” mirins prove. Depois que se encantam pela comida, ele começa um pequeno negócio. Mas a vida não continua assim, já adulto ele se rende às gangues junto de sua esposa Judy (Annie Gonzalez). Com um filho a caminho, ambos reconhecem a necessidade de se ajeitarem e abandonarem o banditismo. Sendo mexicano, sobra a ele apenas os ditos “subempregos”, aqui ser faxineiro na Frito Lay, fábrica de salgadinhos famosos como Doritos, Fritos e, claro, Cheetos, lugar onde tudo mudou para ele e para milhões de americanos fãs do sabor picante, Flamin’ Hot.
Ao se valer desta história baseada no livro de memórias de Richard, “A Boy, a Burrito and a Cookie: From Janitor to Executive”, “Flamin’ Hot” acaba sendo um filme burocrático narrativamente, repetindo a já batida história do self-made man, uma pessoa que atingiu o sucesso sem ajuda externa – apenas amigos e família -, sobretudo por ter como base o que diz o próprio personagem. Mesmo com as convenções de gênero inerentes que culminam sempre em clichês, o que aqui não é diferente, a cineasta consegue apimentar mais a história por meio do humor e de dinamismo visual. O tom cômico do filme toma conta de toda rodagem e consegue criar momentos de clara diversão, como quando toda família se reúne para provar o tempero picante para o salgadinho, sendo o caçula a cobaia para ver se “arde muito” ou “arde de um jeito gostoso”. Neste sentido a narração, que relembra a do personagem Luis, de “Homem Formiga“, também funciona como um registro humorístico, ainda que soe muitas vezes excessiva e dispensável.
Em relação ao dinamismo visual de Longoria, a cineasta deixa a burocracia apenas para a narrativa. Ela aposta em movimentações de câmera e uma montagem acelerada para manifestar certa urgência no desenvolvimento do produto. Em certos momentos, essa abordagem, aliada a predileção por anotações visuais e inserts de registros históricos, parece influenciada pelo cinema de Adam McKay, diretor que tornou interessante o mundo das especulações em “A Grande Aposta“. Se por um lado, a diretora consegue ultrapassar o que há de mais comum no longa com o humor e uma proposta estética que traz mais possibilidades, a questão dramática reafirma as convenções. Os momentos de drama, apesar de necessários e em alguns momentos simplificados, como a crise após a Era Reagan, soam quase sempre afetados quando exigem uma atuação mais enérgica, e a trilha sonora mesmo manipulativa não consegue atingir o que pretende. Pelo contrário, na maioria das vezes atrapalha e o drama genuíno se dá em momentos sem trilha e com performances mais silenciosas.
“Flamin’ Hot” é um filme mercadológico, uma ode ao produto. Tendência que foi gigante em 2023, para além de “Air”, tivemos “Barbie“, “Tetris’, “Blackberry“. O que há de diferente nele é justamente um ímpeto da diretora de lidar com os clichês destacando o humor que invariavelmente aproxima o público, além da própria questão identitária que permeia o longa: um mexicano do menor lugar da hierarquia tentando se provar. Quando o filme se foca nesses momentos mais engraçados como a química da família ou a relação de aprendiz e mestre de Richard e Baker (Dennis Haysbert) é onde mais acerta e diverte. É natural também que este seja um filme complacente com a marca retratada. A bondade de Roger Enrico (Tony Shalhoub), CEO da PepsiCo, dona da Frito Lay, em acreditar no sonho de Richard de ampliar a marca para o mercado latino, que gosta de picância, e salvar os empregos dos colegas parece vir de outro mundo. Enquanto os outros executivos são “vilões” bem caricatos, o que é condizente com essa narrativa romantizada e inspiradora de sucesso e escrever a própria história.
Mas talvez, o maior erro do filme seja não contrapor a versão de Richard da autoria do salgadinho com a da própria marca, que alega ter desenvolvido o produto antes da ideia dele. Em uma simples pesquisa no Google, o espectador vê a controvérsia em torno do produto, o que não é citado nem no letreiro final que toma conta da vida pessoal dos personagens pós-acontecimentos do filme. Na realidade, talvez o maior erro do filme não seja nem essa omissão da “guerra das narrativas” do Flamin’ Hot Cheetos, mas sim o próprio letreiro final, esteticamente grosseiro, parecendo ter sido feito às pressas, acompanhado de uma música chata de Diane Warren, e que mesmo assim foi indicada ao Oscar 2024.