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Desafio de um Campeão

Ajudando o Menino

Por Jorge Cruz

Desafio de um Campeão

Uma vida recheada de “parças”, em que o pai-empresário é responsável para manter o jogador de futebol (de muito talento, mas pouca coisa na cabeça) mimado ao extremo. Poderia ser uma notícia retirada de algum jornal esportivo, mas é apenas o fato gerador do roteiro de “Desafio de um Campeão”, produção italiana do braço cinematográfico da RAI, que chega aos cinemas brasileiros em circuito comercial.

Primeiro longa-metragem dirigido por Leonardo D’Agostini, o filme se destaca por algo que soa uma obrigação, mas de difícil constatação no cinema: as cenas das partidas de futebol são muito bem filmadas, com poucos momentos que agridem o espectador com a falsidade dos movimentos ensaiados e dos cenários hermeticamente montados. Já que vivemos no autointitulado “País do Futebol”, apreciar boas histórias que usam esse esporte como mote é uma busca incessante que dificilmente gera bons resultados a seus admiradores. Por isso, a surpresa em relação a esse longa-metragem nesse quesito.

O roteiro de Giulia Louise Steigerwalt demora um pouco a dizer ao que veio. Um primeiro ato longo, que tenta cercar o espectador de elementos para concluirmos o verdadeiro dilema do protagonista. Isso pode afastar quem já possui certa familiaridade com o ambiente do futebol, sem necessariamente atrair quem não o tem. A filmografia esportiva tende a ser de nicho por esbarrar justamente nesse desinteresse de alguns, sempre proporcional ao interesse de outros – uma dicotomia que também se reflete no conhecimento (ou não) deste mundo da bola. Só que “Desafio de um Campeão”, quando engata sua segunda marcha em uma montagem transitória por volta da primeira meia hora, flui muito bem e por mais de um motivo.

A história gira em torno de Christian Ferro (Andrea Carpenzano), um jogador da Roma de muito talento, que nunca atinge a eficiência esperada por conta de fatores extracampo e pela personalidade desprovida de equilíbrio. Uma pertinência temática eficientemente alinhavada pelo texto de Steigerwalt. Apesar do personagem (à primeira vista) soar estereotipado, com o desenrolar da história fica latente a proposta de, na verdade, debater os motivos para esse padrão de comportamento existir – e com quem são divididas essas responsabilidades.

A forma como esses atletas que faturam e rendem milhões são tratados por diretores dos clubes, empresários e famílias, os aproximam de crianças mimadas. Eles acabam seguindo suas vidas pensando que possuem um poder sem limites e não sabem ouvir não. Aliás, em um dos melhores momentos do filme, Christian se espanta quando Alessia (Ludovica Martino), personagem feminina que servirá de par para o protagonista, lhe nega um pedido, contrariando o entendimento dele de que conquistaria tudo o que quisesse por ser um futebolista famoso.

A saída para os diretores do time quando as notícias sobre a vida pessoal do jogador tomam conta dos jornais é contratar Valerio (Stefano Accorsi) para ser uma espécie de mentor de Christian. Na teoria ele lhe dará algumas aulas e o aconselhará. Porém, na prática, será apenas uma babá com grande qualificação. O espanto de Valeria se dá quando o protagonista vai percebendo o quão vazia é sua vida e descartáveis as suas relações humanas. A grande sacada do roteiro é não vender barato as origens constitutivas da dupla Christian e Valerio. Seus dramas pessoais e seus traumas, são revelados a partir de diálogos baseados na confiança que um vai adquirindo perante o outro. Essa maneira de apresentar os personagens ao espectador reveste o texto de “Desafio de um Campeão” de credibilidade, fazendo com que alguns problemas pontuais, porém graves, tenha impacto menor do que se o roteiro fosse inconsistente.

Talvez o grande incômodo do longa-metragem seja a representação feminina. Não apenas por Alessia ser inserida na história com a única função de criar um sentimento em Christian, como uma válvula propulsora da mudança do protagonista. Na única vez em que ela se mostra mais crítica ao comportamento do jogador, o roteiro cria uma tensão que no final das contas sempre foi um flerte. Todavia, onde ele pisa na bola mesmo, é quando apresenta Paola (Camilla Semino Favro), a namorada de Christian. Ao dar o estalo na cabeça do atleta de que ele vive uma mentira, ele descarta de maneira seca essa mulher, reforçando a ideia de ser ela uma maria-chuteira irreparável. Toda a receptividade ao diálogo de Ferro com seu guru é dispensada no trato com Paola, que é expulsa de sua vida de maneira indigna, uma ponta do texto tão mal costurada que poderia não existir.

Afastadas essas representações mal engendradas, o caminhar do longa-metragem é agradável. Conforme os problemas maiores vão se resolvendo, todos com naturalidade, um ritmo mais leve vai se impondo, com cenas bem-humoradas. Alia uma trama com o frescor da contemporaneidade, com elementos dilemáticos modernos e a maneira mais simples de se criar uma obra cinematográfica. A partir do conceito aristotélico de possibilitar o fazer da arte como uma cópia melhorada do real, constrói seu ato final mantendo a verossimilhança, mesmo diante de um cenário impensável.

O futebol, como atividade de alta performance, cujas carreiras se mostram verdadeiras gangorras, sempre se aproximou da vida de boa parte de seus entusiastas de maneira muito estreita. Ali reside o grande poder atrativo desse esporte, algo que “Desafio de um Campeão”, bem fundamentado no atual panorama deste esporte, traz com narrativa atualizada e pertinente questões fundamentais para entendê-lo.

 

3 Nota do Crítico 5 1

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