Balanço Geral do Festival de Cannes 2022
Tudo o que aconteceu na edição 75 do festival francês mais famoso do mundo
Por Fabricio Duque
Parece tradição, mas sempre que uma edição do Festival de Cannes chega ao final e o balanço geral começa a ser produzido, velhas questões discutidas por este site voltam à pauta. Nos dois textos anteriores, a evolução de nossa cobertura de imprensa é a mesma: inicia-se com força, excitação, frenesi, ansiedade e alegria desmedida de poder não só assistir aos filmes, e sim estar no mesmo ambiente que nossos diretores, atores e técnicos preferidos da sétima arte. É inevitável que em muitos determinados momentos, o jornalista crítico seja abduzido por um fã. Não há como: a tietagem acontece e a foto pedida, antes ou depois da entrevista e/ou da coletiva. Talvez nunca consiga entender, ou melhor, traduzir esse sentimento de cabeça flutuante. A vã filosofia não consegue explicar, ainda. Toda vez que chego ao Festival de Cannes, lembro do meu primeiro ano, em 2013, em que ao ver o Palácio do Festival, não pude conter a emoção. A cada edição, eu procuro me enganar com a ideia de que “finalmente estou preparado”. Não, ninguém, sem exceção, está preparado, ainda que acreditemos que “desta vez poderemos vencer”. Não, não mesmo. Alguns dirão que a estrutura do festival mudou. Que agora é preciso retirar os ingressos. Que agora não é necessário ficar nas filas. Que tudo é diferente. Que a pandemia redefiniu regras, fazendo com que novas estratégias fossem geradas. Sim, dizem muitas coisas. Mas uma coisa que não muda é a quantidade de filmes, divididos em mostras oficiais e paralelas.
A impressão que se tem é que há pelo menos uns dez festivais dentro do mesmo Festival de Cannes. E cada um deles imprime sua importância e sua qualidade. Como gerenciar isso tudo sem sentir as consequências de tempos, espaços e a sensação de se estar perdendo o “melhor filme do festival”. É, há sim uma crueldade entranhada que na época passada até François Truffaut reclamou. Como lidar com as perdas e como exceder nosso limite? O pensamento do meio é “aproveite até as últimas forças e descanse depois”. Para o Festival de Cannes, não há amanhã. O momento é de pura e intensa cinefilia. Nós jornalistas temos que “rebolar” para conciliar os filmes da mostra competitiva oficial (e suas coletivas de imprensa), da mostra Un Certain Regard, da Semana da Crítica, da Quinzena dos Realizadores e ainda achar tempo para assistir e cobrir os especiais, como por exemplo, a pré-estreia de “Top Gun: Maverick”, em que o céu de Cannes foi “invadido” por jatos militares. Ou prestigiar as cineastas no Tapete Vermelho. Ou correr para não perder a cópia restaurada de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, trazida pelos produtores Lino Meirelles e Paloma Rocha. E as masterclass com os outros artistas internacionalmente conceituados. E a sessão de “E.T. – O Extraterrestre”, de Steven Spielberg, na praia. Como? Nunca saberemos. Pelo menos, no meu caso. A solução é deixar o próprio Festival de Cannes conduzir e aceitar nossas limitações.
O Festival de Cannes é um exemplo real de como a mente humana esquece das dificuldades e só registra os momentos felizes. Todos nós começamos a maratona francesa, na Riviera Francesa mais famosa do mundo, com a sensação de estarmos bem organizados. Sempre acreditamos, ingênuos, de que lidaremos com o tempo e sem ser pegos de surpresa. Sim, pelo menos é o que acho, bem tolinho que sou. Mas logo dias antes Festival de Cannes consegue nos surpreender com novas regras. A principal do Festival de Cannes 2022, que completa 75 edições, é a questão da retirada de ingressos online, tudo para evitar anos de filas imensas e frustrações dos que perderam as sessões dos filmes mais esperados. Só que ainda assim, o o festival aparenta tranquilidade em seu primeiro dia, mas na verdade essa falsa sensação de correria é uma ilusão. Tudo porque ainda não estamos cansados. Nossa euforia/ansiedade segura as pressões e problemas com a dinâmica. É como se estivéssemos em uma montanha russa no momento da subida, momentos antes da adrenalina da descida.
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A edição pós-pandemia de 2022 gerou caos inicial com o “superaquecimento” do sistema-plataforma de retirada de ingressos e das credenciais, esta que causou filas e esperas de horas. No caso dos tickers, o Festival de Cannes precisou trabalhar muito para resolver todos os problemas técnicos, a ponto do diretor da delegação Thierry Frémaux dizer que tudo foi “causado por hackers com robôs que zeravam os ingressos em segundos”. Será mesmo? Enfim, no mesmo dia do pronunciamento na coletiva de imprensa, uma outra plataforma-site foi espelhada, o que conseguiu sanar os efeitos negativos. A outra mudança foi a questão Eco. Cobrando uma taxa de vinte euros no credenciamento e não mais com a entrega da bolsa oficial e do catálogo, os mesmos que foram vendidos na lojinha por 25 e 20 euros respectivamente. Será a crise do “novo normal”? Ou é uma tentativa de salvar o Planeta? Enfim. Retóricas à parte.
Como foi dito, o Festival de Cannes é um manancial de emoções. Nós amamos a atmosfera de glamour-cinefilia e a possibilidade de assistir aos filmes no exato momento de estreia. E também odiamos ao mesmo tempo, especialmente pelas filas, pelos procedimentos de segurança que nos faz pensar que todos os dias estamos embarcando a uma nova aventura. É, isso não deixa de ser um simbolismo maravilhoso, até porque toda obra exibida nos leva de um lugar a outro, a um mundo próprio, mágico, lúdico, realista ou não. Ah também os pequenos poderes. Os seguranças-porteiros às vezes decidem potencializar o seguimento de regras, apenas porque podem. Acho curioso, quase antropológico comportamental. A outra questão, que virou o bordão “Não faz sentido”, veio com as consequências da decisão que encurtou o intervalo entre os filmes, alguns com apenas 10 minutos de diferença. E no aviso oficial do ingresso, a abertura da sessão aconteceria 20 minutos antes. E ainda assim o Festival de Cannes não queria atrasar (mesmo atrasando e muito em alguns). Foi uma correria danada.
O Festival de Cannes 2022 também seguiu sua tradição ao intercalar filmes mais underground com prévias de sucessos de bilheteria. “Close”, de Lukas Dhont, com “Top Gun: Maverick”, inclusive um encontro com Tom Cruise (e um especial sobre seus filmes com 15 minutos de duração). E não foi só isso, criou também uma parceria com Tik Tok (necessário ou demais?). Então, vamos pulular digressões retóricas. Será que essa parceria estimulou a presença de Samantha Schmütz, que encontrou no tapete vermelho as ex-BBBs Rafa Kalimann e Sarah Andrade na matéria de Roberta Jungmann? Será que agora Cannes é pop? Enfim, voltemos aos filmes desta edição que está sendo considerada por muitos uma das mais “chatas”, sem nenhum concorrente à altura. Pois é, quem lembra de “Assunto de Família”, “The Square” e “Parasita”? Obras que já se apresentaram como Palmas de Ouro. Em 2022 nenhuma despertou esse sentimento.
Como já foi dito também, o Festival de Cannes foi de movimento e adaptação às novas dinâmicas, entendendo durante os dias. Isso logicamente mudou o processo de cobertura da maioria dos jornalistas. Sim, toda mudança é assim. Leva tempo para se acostumar. Bagunças são mais que esperadas. Resta aos organizadores mitigar as “dores de cabeça”. Há também a questão da “pós-pandemia” do Coronavírus, que para a França acabou, mas nos últimos dias aqui os casos aumentaram consideravelmente, visto que quase ninguém usava máscara protetora. Mas enfim. O festival também se posicionou completamente à favor da Ucrânia na guerra da Rússia. Escolheu o filme de um realizador dissente, “Tchaikovsky’s Wife”, do diretor Kirill Serebrennikov, e chamou em live, na Cerimônia de Abertura oficial, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, político, também ator, roteirista, comediante e produtor/diretor cinematográfico, que fez um discurso de quase dez minutos.