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Close

Dois perdidos em um mundo sujo

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Cannes 2022

Close

Exibido na mostra competitiva a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2022, segundo longa-metragem do belga Lukas Dhont, “Close”, e co-roteirizado com Angelo Tijssens, bem que poderia cair num melodrama sentimentalista, se não fosse a sensibilidade cirúrgica de seu diretor em naturalizar os vínculos de duas crianças do mesmo sexo que descobrem desejos, afeições e os limites dessa amizade, “condenada” por uma sociedade condicionada aos valores tradicionais e bíblicos da família, que julga o amor, mas permite a violência. Isso fez eu me lembrar imediatamente de uma história que aconteceu certa vez quando fui cortar cabelo. No salão, duas pessoas estavam “zoando” dois amigos homens que chegaram e um deitou a cabeça no ombro do outro para esperar. iniciou-se assim comentários desconfortáveis sobre essa situação. Ouvi calado, visto que era impossível revidar tamanha ignorância e tamanho preconceito. Mas a pergunta ficou: por que o afeto incomoda tanto? Qual o problema de se demonstrar carinho em público, independente de serem amigos ou namorados? Por que a vida alheia dá muito mais assunto para fofocar? 

“Close” busca a condução naturalista de instantes captados, como a brincadeira de esconde-esconde de crianças, cuja amizade é traduzida pela estética visual em movimento. A fotografia, solar, consegue mostrar a invisibilidade de um inclusivo tempo parado, criando uma poética, confortável, leve e acolhedora atmosfera, em um meio que permite a exploração livre da imaginação e a mitigação total da maldade. Entre corridas no mato, risos com a mãe, aulas de música, colher algodão no campo, vídeos no Youtube, o filme quer nos apresentar os sonhos infantis, que geram uma incondicional felicidade atemporal em “cérebros que nunca param”. Esses amigos possuem tempos únicos e orgânicas conexões, como descobrir o que faz um dormir, por exemplo. Mas essa “bolha” começa a rachar quando a escola altera esse ecossistema, impondo a limitada e cruel imaturidade das crianças. Esses conflitos desencadeiam a confusão das definições, que objetivam padronizar regras sociais (já condicionadas e aceitas) dentro de caixas. “Vocês não fazem isso com meninas, porque ele não pode se é homem?”, questiona-se e se alimenta o contraditório da defesa. Buscar o igual “normal” para não sofrer o bullying do “diferente”, os pressionando para definir a sexualidade. Um deles se incomoda em ser taxado de “criança viada”, mas por que se os pais apoiam? 

O filme é um estudo social. Uma crônica de aceitação. Em ter se “enturmar” com a maioria. Por que ele se importa tanto com isso? Por ser criança? Tentar ser homem? Expressar a raiva brincando de atacar? Por que os comentários dos outros afetam eles? É curioso e ultrapassado ainda discutir em 2022 essas questões. Um xingamento e/ou ofensa podem destruir a inocência. Nunca entendi o motivo do amadurecimento e o “virar adulto” possuem como consequência quebra da ingenuidade e da pureza. Quanto mais tiros implicantes, mais distância. Quanto mais senso de realidade, mais afastamentos. Quanto mais zoações, estranhamento, tristeza, repulsa, amargura e desistência. Um não se importa em demonstrar emoção em público. O outro se preocupa com “coisas de menino”. A narrativa de “Close” é tão natural, que sentimos os dramas, as angústias e o “xixi na cama”. 

“Close” traz uma questão social muito importante: o limite de um bullying que pode desencadear trágicas e radicais consequências. Uma criança não possui a mesma perspicácia de um adulto. A mensagem do filme é que uma simples ofensa preconceituosa pode matar, fazendo com que a vítima (alvo) busque refúgio no suicídio. E como é o luto para quem afastou mesmo sabendo que o que mais queria era estar junto. Lukas Dhont, com 31 anos, já apresentou também “Girl” em edições passadas no Festival de Cannes 2018. Seu cinema é uma luta humanitária de aceitação. Ou melhor: ele consegue imprimir uma sutileza naturalista. Por metáforas, detalhes, imagens metafísicas, constrói-se o tempo. Preciso. Da duração do gesso e da luz da primavera. Lukas é um artesão sinestésico do olhar, muito ajudado pela trilha-sonora com ritmo semelhante a de uma música de Sigur Rós. Há transcendência de vida continuada. Na culpa. Na falta. De respeitar as pausas e as necessidades do sofrer e do renascer. “Estava quebrado, agora não”, diz-se. “Close” nos pergunta qual tipo de ser humano nós queremos ser. Os que matam ou os que se deixam matar? Que hostilidade de mundo é essa que julga cruelmente tudo que foge um pouco dessa limitada “normalidade”? É por isso que este longa-metragem, pautado na simplicidade não simplista da câmera, ângulos, fotografia e movimentos atinge toda a complexidade do tema abordado. Uma obra shakespeariana de Léo e Rémi, que pode referenciar aos filmes “Me Chame pelo Seu Nome” e a “Minha Vida Cor-de-Rosa”. 

4 Nota do Crítico 5 1

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