Ari Aster: As Três Faces do Terror

Ari Aster

Artigo

Ari Aster: As Três Faces do Terror

Por Pedro Sales

Com apenas três filmes realizados, o diretor estadunidense Ari Aster já caminha a passos largos para se consolidar como um dos mais promissores entre os novos nomes do terror hollywoodiano. A repercussão em volta de sua obra e a miríade de fãs que o cineasta coleciona surgiram em 2018, comHereditário, a estreia do cineasta em longas metragens. Sucesso de público e crítica, o filme demonstrou uma solidez na direção e bastante inventividade e estranheza para seu argumento, assim foi impossível Aster não ser notado pelos seus pares e fãs do terror. Porém, antes do triunfo com o longa da produtora A24, o início da carreira do cineasta se deu nos idos de 2011.

Formado em cinema pela Santa Fe Univeristy of Arts and Design, realizou o curta “The Strange Thing About the Johnsons” como seu trabalho de conclusão de curso. Já neste filme, o diretor dava indícios de uma predileção temática voltada ao bizarro e inusitado. Tendo seu ator-fetiche Billy Mayo, morto em 2019, como protagonista, o que se desenvolve é uma trama que aborda abusos, incesto e tabus. O que há de estranho com os Johnsons é a relação familiar entre pai e filho. Apesar da temática sensível e polêmica, é uma obra que merece atenção. No mesmo ano, Aster realizou “Beau“, curta que deu origem ao seu mais recente longa-metragem Beau Tem Medo (2023). Mayo, novamente no papel principal, interpreta Beau, um homem paranoico que após perder as chaves de seu apartamento se vê obrigado a permanecer em casa, com medo de uma possível visita intrusiva.

Posteriormente, entre 2013 e 2016, ele dirigiu mais quatro curtas: “Munchausen” e “Basically”, ambos de 2013, “The Turte’s Head” (2014) e “C’est La Vie” (2016), os quais podem ser vistos completos neste vídeo que compila a filmografia de curtas de Aster.

O Problema do Pós Terror

A obra de Ari Aster acabou por ser vinculada ao fenômeno do “pós terror”. O termo cunhado pelo jornalista Steve Rose, do The Guardian, em artigo de 2017, tornou-se sinônimo de narrativas elaboradas e com foco nos horrores internos. “Considerando que o terror é o lugar onde exploramos nossos medos mortais e sociais, o gênero é na verdade um dos espaços mais seguros do cinema. Mais do que qualquer outro gênero, os filmes de terror são regidos por regras e códigos: os vampiros não têm reflexos; a “garota final” prevalecerá…”, explica Rose. “Não é à toa que alguns cineastas estão começando a questionar o que acontece quando você desliga a lanterna. O que acontece quando você se desvia dessas convenções de ferro fundido e se perde na escuridão? Você pode encontrar algo ainda mais assustador”. Filmes com uma abordagem mais atmosférica e introspectiva, como “Babadook” (2014) e “A Bruxa” (2015) foram definidos como tal ao fugirem do slasher, do sangue e da violência em si. Neste contexto é que surge “Hereditário”, em um momento em que o público parecia mais suscetível a se conectar com um horror “psicológico”, que tratasse das questões pessoais dos personagens.

No entanto, a visão reducionista do jornalista acaba rotulando essas narrativas como algo à margem do terror, o que não é verdade. Essas obras continuam sendo representantes do gênero, independente de suas intenções e abordagens acerca do medo. Clássicos como “O Bebê de Rosemary” e “O Iluminado” demonstram que as convenções e “regras” não são determinantes do gênero. E ninguém ousaria dizer que estes filmes não são de terror. Dessa forma, por mais que alguns insistam em considerar a obra de Aster como “pós terror”, há um extenso debate que questiona a própria existência do subgênero.

Paralelamente à discussão, houve claramente uma renovação nas narrativas do gênero. É curioso constatar que três diferentes cineastas contemporâneos pensam o terror de uma forma distinta do padrão comercial de Hollywood. Robert Eggers, Jordan Peele e Ari Aster formam uma espécie de trindade do novo terror hollywoodiano. Além de retratarem o gênero de forma única, os três são contemporâneos, dirigem, roteirizam e lançam quase sempre em simultaneidade ou em um curto intervalo. Eggers realizou “A Bruxa” (2015), Peele, “Corra” (2017), e Aster, “Hereditário”. O segundo longa dos diretores vieram todos no mesmo ano, em 2019 (“O Farol“, “Nós” e “Midsommar“). Os mais recentes são de 2022. Eggers fez “O Homem do Norte“, e Peele, “Não! Não Olhe” e mais recentemente, Aster com “Beau Tem Medo”.

As Três Faces do Terror

Ari Aster, em seus três filmes, aborda o terror de maneiras diferentes. Há particularidades em todos eles e alguns (não muitos) pontos de convergência. Em “Hereditário“, por exemplo, o diretor adota um terror sobrenatural e demoníaco. A estreia do diretor é bastante engrandecida pela melhor atuação da carreira de Toni Collette que, mesmo sendo considerada por muitos como a melhor do ano, infelizmente foi esnobada no Oscar. A resistência da Academia com o gênero, no entanto, já é um problema antigo. William Friedkin sentiu na pele com “O Exorcista” (1973). Outro mérito é justamente essa ruptura com o modelo tradicional e já batido de jump scares e clichês do gênero. Mesmo se valendo se códigos-base do terror, a obra jamais cai em um lugar comum, o cineasta lida com bastante originalidade em relação às questões de possessão demoníaca e sessões espíritas. Ao mesmo tempo, Aster estabelece um subtexto em volta do luto. O início do longa mostra que a avó recentemente faleceu. Assim, cada um tenta lidar com a perda de um jeito. Os sentimentos inconfessos funcionam, portanto, como um vulcão prestes a entrar em erupção. Ou seja, o aspecto psicológico é primordial para o longa.

Já em “Midsommar“, o cineasta opta por um horror solar, ambientado na Suécia. Neste aspecto, de desenvolver a ação em um espaço de claridade e, aparentemente, inofensivo, o filme acaba causando progressivamente o desconforto do público, o qual recebe aos poucos o terror. A ritualística e paganismo nórdico explorado no longa é fortemente influenciado por “O Homem de Palha” (1973). Assim como seu predecessor, “Midsommar” possui um momento de virada muito claro. Em “Hereditário”, a trama caminha até pouco menos de sua metade como um drama familiar. Depois de um episódio, o clima é alterado e o peso emocional também. No longa protagonizado por Florence Pugh, a estranheza dos ritos dos suecos parece, inicialmente, apenas peculiaridades de uma prática religiosa. O choque após um certo ritual vira a chave e estabelece o horror na obra.

Se nas duas obras anteriores, Aster já se desvinculava do padrão hollywoodiano de terror, em sua última e ousada obra, “Beau Tem Medo“, isso ocorre de uma maneira ainda mais radical. O terror em si é muito mais um desconforto que de fato medo. Quem sente medo, na verdade, é o personagem principal. O espectador é arrastado ao longo das três horas de exibição para a caótica odisseia de Beau, em uma ótima interpretação de Joaquin Phoenix. Não há, então, esse caráter metafísico e sobrenatural de Paimon, possessões e rituais forçados, aqui os temores são mundanos: medo de ter a privacidade invadida, o lar violado, medo de morrer, medo de não chegar a tempo em algum lugar. Dessa forma, o longa possui raízes mais psicológicas para o terror e para a ansiedade evocada.

Apesar das diferenças que se estabelecem entre as obras, as semelhanças também são facilmente assimiláveis. A respeito do trabalho técnico, a fotografia nos três filmes é assinada pelo frequente colaborador do cineasta, Pawel Pogorzelski, que inclusive filmou também seu primeiro curta. O uso de zooms e travelings, por exemplo, se repetem com certa frequência na obra de Aster. Tematicamente existem outros pontos de convergência, mesmo que os roteiros e a própria abordagem do terror se distanciem entre si. A perda é um ponto comum em todos os filmes. O ponto de partida para as histórias é a recente morte de algum familiar. Em “Hereditário“, a avó; em “Midsommar”, a irmã; em “Beau Tem Medo”, a mãe. Além disso, as relações familiares estão sempre em voga, como a maternidade conturbada e problemática que se materializa no primeiro e no último longa do cineasta.

Imagética Potente

Embora a carreira de Ari Aster tenha começado ainda muito recentemente, o diretor conseguiu em seus dois primeiros filmes construir uma imagética potente. A mitologia diegética, da realidade do próprio filme, extrapola a mera exibição e encontra ecos na cultura pop. Quem é fã incorpora essas cenas, muito em razão do choque causado, no seu repertório. “Hereditário” possui muitas cenas marcantes e elementos narrativos que pela sua eficiência conseguem perturbar o espectador e encontrar essa tal vida para fora do filme. O estalo de língua de Charlie, por exemplo, é aterrorizante e um recurso muito característico do longa, assim como o foreshadowing (técnica narrativa que tem a intenção de surpreender o espectador, pegá-lo de surpresa com uma informação que ele já recebeu) do poste ou do pombo coroado e decapitado. De todas as imagens, e olha que são muitas, como a sequência de body horror na escola, a mais impactante e simbólica sem dúvidas é quando Steve entra em combustão, pois há misto de choque, imprevisibilidade e, claro, a performance aterradora de Toni Collette.

Imagética Potente

Em “Midsommar”, por sua vez, também existem vários momentos emblemáticos no longa e que persistem sendo lembrados pelos fãs do diretor. O traje de urso que um dos personagens fica aprisionado traz um caráter absurdo e também de desolação ao público, sobretudo em razão da impotência na situação. O ritual no penhasco é dotado de muito grafismo e impacta o espectador, porém o efeito não é puramente estético, voltado para o gore, pelo contrário, é a cena definidora de que há algo de errado. O rito de fertilidade pende ao bizarro e os lamentos uníssonos causam desespero, assim como a coroação da Rainha de Maio, que mesmo com toda a semiótica remetendo a algo adorável por conta das flores, representa que a protagonista agora faz parte da comunidade pagã, o total distanciamento de suas origens.

Beau is afraid

 

“Beau Tem Medo” possui várias cenas desconcertantes, que causam dúvida no público. É cedo, no entanto, tentar apontar quais as cenas do longa são efetivamente potentes. O tempo dirá o que mais impacta: as máscaras, o teatro, a descoberta no porão? Ari Aster está apenas começando, mas já demonstra segurança em ousar, em provocar e romper com o padrão hegemônico pré-estabelecido pelos estúdios.

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