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A Última Coisa que Ele Queria

Acadêmicos Desunidos

Por Jorge Cruz

A Última Coisa que Ele Queria

“A Última Coisa que Ele Queria” caiu como uma bomba no catálogo da Netflix na sexta-feira que antecedeu o Carnaval de 2020. Boa parte do público (e da crítica) vincularam a obra à pior conotação possível deste artefato de guerra. Depois de defender “Ameaça Profunda” e “Dolittle”, parecia mais fácil vasculhar aspectos positivos no mais recente longa-metragem de Dee Rees, apresentado há menos de um mês no Festival de Sundance.

O que torna essa tarefa mais complicada é que, aos olhos do espectador-médio, o desenvolvimento da premissa como filme de gênero falha com louvor. Elena (Anne Hathaway) surge em El Salvador em 1982 enquanto Alma (Rosei Perez) tece um longo monólogo – que não deixa claro ser as primeiras linhas de uma reportagem – em que faz questionamentos extremamente pertinentes sobre a real necessidade de existência da guerra. Ocupação de países estrangeiros, a despeito da fantasia Defensor da Democracia com a qual os Estados Unidos todo o ano vai para a Avenida, há décadas se tornou uma rotina. Da mesma maneira que a mídia cria um bloco com a cobertura política (no Brasil também é sinal de status ser repórter residente em Brasília), na terra comandada por Donald Trump sempre há um conflito para ser coberto.

Falando do líder republicano da nação, chegamos à grande âncora semiológica de “A Última Coisa que Ele Queria“. Quando o longa-metragem avança um pouco no tempo, para 1984, a América apresentada é aquela em que um representante desse mesmo partido tenta a reeleição. No caso, Ronald Reagan. Assim como George W. Bush fez escalonando a ocupação do Afeganistão até chegar à Guerra do Iraque iniciada em março de 2003 (combustível que lhe deu mais um mandato no ano seguinte), a maneira como as campanhas se iniciam demandam obrigatoriamente na construção do medo (e não aquele pseudo-comunista da nossa atual Secretária de Cultura). Dee Rees usará alguns elementos para materializar a neurose e ese medo, tanto o projetado na sociedade quanto internamente, no caso de Elena.

Todavia, a boa degustação da obra depende de dois fatores. O segundo afeta diretamente a consequência e será exposto mais adiante. O primeiro precisa sair da concentração agora: como Anne Hathaway é vista dentro da unidade do filme. Talvez esse seja o grande contraponto no debate pós-sessão do longa-metragem que tivemos com Roberta Mathias, uma grande admiradora da cineasta, que viu na Elena vivida pela atriz um peso negativo para a obra. Em outras palavras, a escolha da estrela (sumida até) em detrimento de outras que entregarim uma potência em seu trabalho, diminuiu até mesmo a importância da protagonista na trama. Por outro lado, nós – em um ato de fé – acreditamos que Hathaway está aqui justamente por essa claudicância no olhar, esse esforço em ser fraca.

Desta forma, acreditamos que a interpretação está coerente pelo contexto. A personagem está tão confusa em relação às motivações de todos aqueles homens quanto qualquer mulher inserida em um ambiente masculino, em que ninguém se fantasia de cordeiro, mas todos os lobos parecem domesticados e confiáveis. Os minutos finais de “A Última Coisa que Ele Queria” amarram um pouco essa questão. Quando Elena volta à América Central, ela precisa assumir de vez uma força que não deseja usar, não lhe sendo permitido viver a fragilidade de sua relação familiar com o pai, vivido por William Dafoe. É como se seu empoderamento fosse da porta para fora.

A quebra de expectativa de Rees, calando a personagem de Rosie Perez para entregar o protagonismo branco, gera outro momento inspirado, justamente na Nicarágua. É o momento em que Elena precisará pegar em armas e ser a durona. Os filmes de gênero elevam os homens nessa situação a verdadeiros Rambos, como se todos nascessem prontos para arriscar a própria pele por um bem maior. Mesmo o banana do Robert Langdon nos salvou umas três ou quatro vezes, já que Dan Brown seguiu a fórmula do ordinary man que se torna uma mistura de Tom Cruise em qualquer filme de ação com a sensualidade inerente ao Zé Bonitinho. Em “A Última Coisa que Ele Queria” esse maniqueísmo não existe. Tampouco funciona pela fragilidade da narrativa, é verdade.

Fato é que Dee Rees tenta entregar um respiro para as construções formulaicas do cinema norte-americano (sem contar a política de algoritmos da Netflix, por nós tratada na crítica de “A Lavanderia“). Porém, seu tiro bate na água porque nos quesitos harmonia e evolução seu samba atravessa. Todas as questões de verossimilhança e representações ilógicas já vêm sendo objeto de muita paulada da crítica nessas primeiras horas do filme disponível. Portanto, vamos nos permitir uma outra abordagem, para chegar àquele segundo fator prometido alguns parágrafos acima.

O grande problema da obra, fundamental para retirar sua unidade, é que todos os recortes levantados de maneira positiva só funcionam se você isola aquele elemento. Brincadeiras à parte, o filme de torna desarmonioso por não deixar minimamente clara suas intenções. Na primeira metade, a cineasta nos entrega uma câmera extremamente tremida, como se a protagonista fosse ajustando seu foco. O enquadramento para de tremer em uma cena no aeroporto, onde ela explicita o elemento do medo com um plano dentro da mente de Elena. Depois disso, essa tremulação – que diminui de maneira escalonada – se encerra, como se o medo tomasse conta da protagonista. Quase como se convencionasse que a câmera fixa representava a vivência do medo. Porém, Dee Rees abandona essa nuance, sem tornar claro se esse ajuste foi proposital na narrativa ou se ela entendeu que essa estética não funcionaria.

Roberta Mathias adicionou ao debate os elementos de fotografia e direção de arte, que possuem o mesmo estranhamento e ocorrem no mesmo momento, a tal cena do aeroporto (quando o símbolo da finada empresa brasileira Varig aparece e podemos dizer que um portal foi aberto). Toda a construção estética do que seria 1984 deixa de existir, parecendo um filme contemporâneo. Uma proposta, de fato, inexplicável.

Com isso, chegamos à dúvida fundamental para desgostar pouco ou muito de “A Última Coisa que Ele Queria”: a autonomia de Dee Rees na produção do longa-metragem. Ainda optamos por creditar à tentativa de desconstrução de gênero os erros capitais. Contudo, se não houve por parte da diretora ingerência sobre escolha de elenco, afinidade com diretor de fotografia e de arte e autonomia na adaptação do romance de Joan Didion, é caso de colocar ao lado dessa obra um enorme asterisco quando falarmos da filmografia de Dee Rees. Passar para o segundo grupo – e com razão.

 

2 Nota do Crítico 5 1

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  • Olá a todos….!!! Era o Samuel Jackson fazendo figuração no filme…!? Ele estava usando o chapéu de cowboy….!? Obrigado…..

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