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Sra. Harris Vai a Paris

Tecidos lúdicos

Por Vitor Velloso

Sra. Harris Vai a Paris

Entre um olhar lúdico e a possibilidade de rememorar um cinema de sonhos possíveis, “Sra. Harris vai a Paris”, de Anthony Fabian, é uma espécie de síntese do cinema leve e descompromissado que vem sendo remontado em produções contemporâneas, especialmente na Europa. A própria montagem sintoniza com a trilha sonora para criar um clima agradável durante toda a projeção, sem grandes conflitos em jogo, ainda que a aristocracia revele seu fetichismo diante da figura exótica que intervém em seu espaço social. 

Se por um lado, o filme procura reforçar que devemos seguir nossos sonhos, por mais absurdos que pareçam, há um reforço ideológico constante de uma troca de mercadorias de valores simbólicos, onde parte desse mercado de luxo é capaz de despertar sentimentos inimagináveis em pessoas de uma classe distinta ao qual o produto é feito. Aqui está claro a afirmação de Pasolini sobre a homogeneização dos sonhos entre as classes em um regime capitalista. Contudo, apesar do longa fazer uma breve crítica desse distanciamento, acusando a própria segregação econômica e social realizada pela classe dominante, o projeto corrobora gravemente para uma construção que idealiza essa indústria. Mesmo a literalidade da situação, com o desejo máximo pelo vestido “tentação”, não sustenta as diversas investidas em um cinema que artificializa ao máximo a jornada da personagem. 

Seja com as luzes artificiais da cidade, ou mesmo com a construção dos cenários próximos aos grandes estúdios, “Sra. Harris vai a Paris” procura ser uma agradável combinação de sonhos, com uma base dramática bem-humorada. O problema é que esse humor é extremamente frágil, com situações embaraçosas e uma artificialidade que distancia o espectador de sua relação imediata com as situações. A narrativa pode até fisgar uma parcela do público, especialmente pelo caráter simbólico, mas a questão cômica não consegue funcionar ao longo da projeção. Não por acaso, uma das histórias presentes na obra, um romance entre uma modelo e um gerente de finanças, possuem os diálogos mais enfadonhos de todo o projeto, com referências constantes a Sartre e toda uma proto-intelectualidade francesa, supostamente sedutora, encarnada na figura de duas pessoas particularmente belas. Essa abordagem faz com que a produção se torne cada vez mais falsa, não apenas lúdica, mas fique entre a ingenuidade de uma indústria ideológica e uma formalização categórica de um protótipo em decadência. 

Mas para que não haja injustiça, é necessário reforçar que “Sra. Harris vai a Paris” consegue manter os pontos mais frágeis de sua estrutura, em um segundo plano. Isso porque se esforça para colocar qualquer descrença de seu universo, em uma instância distinta, procurando afastar temáticas mais sérias, como os conflitos de classe e as greves, a partir da centralização de todas as questões em sua protagonista, Harris, interpretada por Lesley Manville. Isto permite que o longa possa funcionar sem se apoiar em suas fragilidades, recorrendo ao escapismo da positividade para se desgarrar dos conflitos de seu mundo material. Mas claro que isso tem um efeito dúbio e pode dividir o público.  

Sendo um projeto que aposta fortemente no caráter emotivo de sua reta final, o filme pode conseguir arrancar boas reações e até lágrimas de seus espectador, mas tudo depende diretamente do comprometimento individual com a narrativa, pois as percepções não são unânimes e essa magia do cinema em resgatar o melhor das pessoas a partir de seus sonhos, pode estar desgastada na memória de quem assiste. 

É uma alternativa para quem está procurando uma experiência leve e um entretenimento descompromissado, que não se agarra nos problemas mundanos, mas sonha com as mudanças a partir de atitudes simples, tão burocratizadas pela sociedade moderna. “Sra. Harris vai a Paris” não conseguiu fisgar esse que vos escreve, mas sem dúvida arrancou lágrimas em diversas sessões pelo mundo, especialmente pelo final de resoluções satisfatórios ao clássico cinema digestivo.

3 Nota do Crítico 5 1

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  • Na verdade o gênero do filme é outro: fairy tale para todos. A gata borralheira “contemporânea”. Toda a artificialidade da atmosfera é nitidamente com esta intenção. A Rosa Púrpura ia ao Cinema, ela, a Harry, encontra fados e fadas. Nisso o filme é bem sucedido. Não é naif.

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