Mostra Um Curta Por Dia 2025

SOAP

Efeito Tr

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2024

SOAP

Planejado para ter uma exibição seriada, “SOAP”, de Tamar Guimarães, é um projeto que pode animar o espectador com sua sinopse que expõe o caráter idealista de seus personagens centrais. O problema é que sua pretensa construção crítica revela os princípios de um filme que estampa as possibilidades políticas, para criar uma projeção, repleta de tipificação, de como uma parcela da esquerda almeja criar uma revolução de apartamento a partir de reuniões de vídeo chamada e sonhos de abalar a extrema direita brasileira com uma novela. Duas características são expostas nessa estratégia, uma representação tão tola e superficial dessa própria noção de esquerda idealista, que “SOAP” parece flertar com sua ala mais ativa, que não sugere nenhum tipo de desconforto, apenas um retrato do ridículo, além disso, sua agressividade para criar um recorte nesse universo idílico de revolução de apartamento, cria outra sugestão: uma mea culpa feita ao reflexo do espelho. 

É como se diante do confessionário, o filme, exibido na Mostra Olhos Livres da Mostra de Cinema de Tiradentes 2024, desejasse pagar por seus desvios mais canhestros,  envergonhados de si, levando em consideração que as pautas e discussões filosóficas da conjuntura global presentes nos discursos de seus personagens, revelam as contradições de suas ações. Mas nem mesmo esses momentos são capazes de salvar “SOAP” que se coloca distante dessa longa e tediosa baboseira que idealista profere, pois sem o menor caráter didático ou interventor do projeto, o espectador passa a crer que a visão ali representada, é a do próprio longa. Não por acaso, as falas que procuram definir o que é imperialismo, completamente absurdas, são diretamente vinculadas à própria película. Se a intenção era o oposto, isso não transparece para o público com a força e intensidade que deveria. O resultado é uma espécie de ruptura entre dois espectros de revolução de apartamento, a única distinção é o andar que cada um ocupa. 

Assim, a experiência se arrasta, aborrecida com suas tentativas de exposição do patético, seja com “Casa-Grande e Senzala”, de Freyre, escrito em alemão na cabeceira de uma personagem, ou com o discurso derrotista, repleto de culpabilidade, de que a “esquerda branca está morta”. Tudo isso é tão programático que torna-se indigesto. Criando a possibilidade de uma via de interpretação onde tudo parece estagnado pela ideologia em si. E essa é a característica mais perigosa que o filme flerta, pois sem ser capaz de atravessar esses absurdos e posicionar-se de maneira efetiva, criando um púlpito de tipificação tão dúbio quanto anti-didático, passa a trabalhar com uma exposição de política da ideologia, se caracterizando na mesma página de seus personagens. Por essa razão, “SOAP” não é um filme político, muito menos politizado, mas sim ideológico. E aí reside um traço volátil das discussões pragmáticas do mundo contemporâneo, que assume uma secção dentro de um universo particular, reflexionando sobre mea culpa(s) e entrando tão desarmado na discussão, que pode ser confundido com qualquer coisa. 

Ainda assim, deve ser mencionado que existe uma grande capacidade de Tamar Guimarães em construir uma encenação que possui uma contextualização de espaço e tempo particularmente interessante, acreditando em uma espécie de “jogo de representações”, manipuladas e facilmente distorcidas. Nesse sentido, a mise-en-scène desconstrói a lógica de que a imagem por si só, possui o poder contido nela. Os dois primeiros episódios são particularmente exemplares neste sentido, criando uma expectativa de dupla crítica feita pela obra, que nunca se desenvolve. Mas esse fetiche da representação é algo que norteia uma série de sequências de “SOAP”, permitindo que algum debate estético possa ser retirado da obra. 

Não é possível saber se a fragmentação na forma de exibição criaria uma percepção distinta, mas sem dúvida, a experiência na sala de cinema, com a projeção de todos os episódios de uma vez só, não favorece um filme que não consegue se distanciar da própria crítica, sendo um alvo tão fácil para sua estrutura que parece falar de um espírito de esquerda, não de seu pragmatismo. É um erro tão antigo que parece ter sido esquecido. 

1 Nota do Crítico 5 1

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