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Relembre: A literatura cinematográfica de Daniel Galera

Daniel Galera

Artigo

A literatura cinematográfica de Daniel Galera

Por Fabricio Duque

(Artigo escrito em 02 de maio de 2015)

Talvez o adjetivo mais definidor da literatura do paulistano “gaúcho” Daniel Galera seja viciante. É uma droga pesada que nós, obsessivamente, necessitamos consumir, visto que li e reli todas as suas obras em um período de menos de um ano. Sua narrativa assemelha-se a do escritor Charles Bukowski, porém mais “limpinha” e com menos escatologias idiossincráticas. Em “Mãos de Cavalo” (que virará filme “Prova de Coragem“, protagonizado por Armando Babaioff), por exemplo, Daniel usa e abusa do existencialismo cotidiano – altamente solitário e único, detalhando particularidades (as julgando lógico, mas sempre pela visão de seus personagens – “reais apenas no universo da ficção”, que “simplificam seus próprios planos”, que “respiram por suspiros” – abertos a possibilidades infinitas de experiências vivenciais, e que sabem que “insistir em ser outro era desperdiçar energia e gerar frustração”), e descrevendo um bairrismo “orgulhoso e autêntico” de “bucolismo decadente” – um “microuniverso provinciano” de “elementos banais, mas familiares”, individualismos dentro da coletividade “conhecida” e verdades sinceras por uma ingenuidade libertadora (de “não fingir nunca mais”) e extremamente envolvente. Aborda-se o amor, a morte (“adaptada ao ritual” e “ausente de vibração orgânica”), o sofrimento, a autoviolência, o “estágio malvado” e “terrorismos poéticos”, a agressividade “encenada” (“uma espécie extrema de ternura”), o carnaval (“uma permissão tácita para a prática generalizada da barbárie”), “sorrisos de insensatez”, a vida (que “se desdobra fortuitamente, controlável somente nos detalhes”), “agradecimentos constrangidos”, o “limbo permanente entre a inocência e o heroísmo – este “viril e magnético””.

Respeita-se a imponência, dureza e “feiura desajustada, tosca e brutal” dos tipos “ficcionais” a seu redor, firmes nas convicções da “abstinência vitalícia” e que buscam limites radicais como punições físicas (talvez para que possam sentir o mundo e acordar da resignação). Há um constante amadurecimento por instantes experimentados e não mais desconhecidos por “fluidez selvagem das ações”, em uma “trajetória que exigia quantidades enormes de renúncias e empenho”, quase em “monólogos interiores” de “atores inseguros representando seus papéis”, dançando sozinhos em “silhuetas robotizadas pela luz estroboscópica”, “particularmente precoces e insaciáveis habitantes de uma realidade própria” com “fugas e vaidades” (uma “sensação de urgência”).

A narrativa de Daniel Galera conduz o leitor-espectador a uma nostalgia sinestesica, já que o livro comporta-se como uma versão cinematográfica em palavras. O talento nato de Daniel é “sangrar” sem proteções como a metáfora de uma bicicleta enlouquecida, com a “imaginação cercada de desfechos imponderáveis”. Em “Dentes Guardados”, seu livro de contos, explora “gostos antagônicos”, “psicólogos evolucionistas”, “sexo hedonista” (“uma celebração da existência”), a morte (como “a obra-prima da vida”), desejos politicamente incorretos em “Manual de Atropelar Cachorros” (que virou um curta-metragem), “escravas brancas”, redenção (na pele) dos homofóbicos, “puta” como “agente social”, “idealismo cúmplice” e no final “desliga o computador e desiste do dia”. Em “Virando o Jogo”, ele reflete sobre a narrativa dos videogames a partir de análise do jogo Prince of Persia. Em “Barba Ensopada de Sangue”, terceiro lugar no Prêmio Jabuti 2013, na categoria Romance, parte em uma “aventura” inóspita para descobrir mais sobre a morte do avô. Em “Cordilheira”, que também venceu o terceiro lugar no Prêmio Jabuti, no ano de 2009, na categoria Romance, aborda “terapia” do recomeço de uma mulher em Buenos Aires. Em “Até o Dia Que o Cão Morreu” (que foi adaptado para “Cão Sem Dono”), “coloca” um homem para se confrontar com o a própria vida imersa em instabilidades, solidão e cotidianos “sem riscos emocionais”.

A literatura de Daniel Galera é obrigatória, “urgente”, terapêutica, libertadora e de uma melancolia quase depressiva, completamente gostosa de sentir. Leia todos, não necessariamente nesta ordem. Mas não perca “Mãos de Cavalo”, que já está no “forno”. 

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