O Que Seria deste Mundo sem Paixão?
O glorioso esforço cinematográfico
Por Vitor Velloso
Quando se pensa a questão dramatúrgica e narrativa do cinema brasileiro, não há um problema estrutural no campo do roteiro, como costuma-se expressar. Pelo contrário, o leque é mais que amplo e as referências são imensas. O que acaba esbarrando, sim, em uma questão que deve ser repensada a partir de um repertório cultural e poético tão frutífero. O excesso de reverência à literatura como uma forma de produção que se reconhece como marginal, pois a partir da mesma, enxerga a virtude de ser fidedigno ao projeto cultural falido de brasilidade.
Luiz Carlos Lacerda, diretor do projeto “O Que Seria deste Mundo sem Paixão?”, não compreende as necessidades de se curvar à estética para que as referências literárias dos poetas protagonistas, Lúcio Cardoso (Armando Babaioff) e Murilo Mendes (Saulo Arcoverde), que recitam o texto base do filme com o louvor de um pouso de albatroz. O pouso dessa verve tão (in)consciente de si, é recorrente de uma proposição semi marginalizada da autoria cinematográfica contemporânea, que confunde a produção homônima com a plasticidade e irreverência, com o perdão da palavra, da originalidade de outrora. Não que há falibilidade em cada construção de “O Que Seria deste Mundo sem Paixão?”, o brevíssimo arco de Tonico Pereira sustenta uma boa base dramática em sua incorporação à oposição do tom lírico do restante. Essa breve digressão consegue engajar uma sonoridade propulsora de poesia concretista.
Não à toa, o eixo de Patrícia Niedermeier é uma libertinagem que se concretiza como erudição de corpo em meio à tamanha tentativa de vigor textual.
A falta de um pulso rígido que consiga reger, com o pleonasmo da expressão, algo que se solidifique em desenho estético que consiga unificar a pretensão literária com a imagem, acaba transformando tudo em uma burocracia de estóica kantiana, de si pra si, tão enclausurado em um mundo de virilidades criativas. Se o paradoxo conceitual pseudo-teórico soa absurdo, a realidade é mais bruta e menos lapidada, pois a soltura dessas breves amarras soa um ensaio de ego da carreira que se foi em memória de História fálica à lá Barthes em decadência burguesa ?viril?. Os nomes, sem a nomenclatura prolixa, que presente aqui se fazem, são fruto do esteticismo europeu do anarquismo, neologismo, “blasé”. Perdão a piada.
Reiterando, por exposição de oposição de adjuntos, a fala anterior, o sentido do corpo desta crítica se confunde com o lirismo do neologismo acima, eufemismo, com a tentativa frustrada de soar filosófico e complexo ante a realidade tão divergente da mise-èn-scene apresentada entre a Casa Assassinada e o medo de se reconhecer distante do que se foi em um momento de criatividade em vida. As falas sem fim se emendam na proliferação das interpretações sem direcionamento de um drama que urge em existir. O espectador procura em cada canto dos planos, qual a proposta, o que enxergar, mas no fim termina no ócio do que nada vêm. O plural se permite surgir ante a confusão da (falta de) compreensão de variabilidade de seus personagens.
“Que saudade de Burle Marx”, diz um dos personagens no terraço da Cinemateca do MAM. A frase não ultrapassa o pretensiosismo recorrente, como se irrompe em vergonhosa exposição de nada para lugar algum. E essa é a impressão máxima que passa “O Que Seria deste Mundo sem Paixão?”, pois ele não se reconhece e aparenta não absorver os próprios nomes que tanto adora exibir. Flutuando no ato histórico, os nomes vão surgindo em vão, quase como o amigo de bar que se gaba por conhecer Clarice. Ou da amiga que ovaciona Britto e todas suas “obras de arte”. O absoluto assassinato cometido ao pôr o nome de Clarice em mesmo parágrafo que Britto, é fruto de uma experiência completa do cansaço da intelectualidade burguesa araquista reverencial de cunho canhestro de trocadilhos sem pausas e com a suavidade de um trator diante do ritmo e dos olhos alheios
“O Que Seria deste Mundo sem Paixão?” de Luiz Carlos Lacerda, não se torna um assombro por possuir dois eixos que se salvam, citados acima, mas que são tão deslocados e perdidos em meio à devaneios brutais do cinema e da literatura que a própria trilha, que nos relembra Brasil, parece ser mantida em cativeiro dos europeus que ousam repousar no fantasma da História dessa egotrip entediante que se localiza à beira do Aterro, Brasil em consonância de terra e sódio, lítio derramado junto à ferro é parábola de óculos em varanda de Atlântida. A digressão é a necessidade da frustração.
CANAL BRASIL
Horário: quarta, dia 12/08, às 23h45.
Horários (fora da mostra): madrugada de sexta/sábado, às 2h; e madrugada de segunda/terça, às 4h