Curta Paranagua 2024

O Canto das Amapolas

A mãe e o processo de escuta

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Tiradentes 2023

O Canto das Amapolas

O grande vencedor da Mostra Olhos Livres, que levou o Troféu Carlos Reichenbach na 26 Mostra de Cinema de Tiradentes, foi “O Canto das Amapolas”, de Paula Gaitán, que como a sinopse procura definir: “A visualidade sonora da voz materna. Evocando paisagens históricas e afetivas.” 

Escrever sobre os filmes da Paula nunca é uma tarefa simples, pois são obras de caráter bastante pessoal, com um ritmo particular e uma estrutura que suspende a progressão do tempo, se desprendendo de engessamentos. Por essa razão, acredito, o Júri Jovem decidiu premiar seu novo projeto, pois se destaca dos demais nomes que estavam concorrendo. 

Como uma espécie de confessionário na relação história, afeto e resoluções interpessoais entre mãe e filha, “O Canto das Amapolas” é um belo retrato de como construir uma obra que apesar de sua particularidade, se torna universal pela forma como retrata o encontro entre as memórias e os afetos. Está certo que uma série de elementos do documentário possuem características contextuais e regionais bastante demarcadas, porém o espectador compreende a intimidade como uma evocação necessária, de quem precisava desta troca com a mãe, não como um filme terapia, mas uma projeção de síntese histórica, de distanciamentos e aproximações. Não por acaso, existe uma tentativa de representar algumas das passagens que são mencionadas durante a projeção, com uma atriz que revive as situações e nos dá alguma dimensão do ar poético que Paula procura traduzir para a tela. 

E isso quer dizer que há um grau de representação concreto da beleza da película, mas todo o caráter íntimo, carregado de uma simplicidade, ainda que com uma estética estonteante, está dividido ao longo de sua extensão. Seja nos planos detalhes, nos diálogos ou nos apoteóticos minutos finais, onde a música domina a sala de exibição, “O Canto das Amapolas” é capaz de provocar uma experiência única para o público, sendo capaz de emocionar e nos fazer sorrir pela delicadeza que a cineasta possui na exposição desses afetos. Não é por acaso que o fim da sessão do Cine-Tenda, mesmo com alguns problemas durante a projeção, terminou com diversas pessoas emocionadas e em completo êxtase pelo que tinham acabado de experienciar. 

Contudo, seja como relato pessoal ou algumas opiniões transmitidas ao longo da Mostra, é possível notar que o ritmo da obra não agrada a todos, seja por uma suposta abstração imagética, por conta desses recortes, ou mesmo por essa poesia íntima não funcionar para todo o público. O cinema de Paula Gaitán é, de alguma forma, uma barreira para uma parcela dos espectadores. Mesmo em obras recentes como “É Rocha e Rio Negro Leo” (2020), “Ostinato” (2020), “Se hace camino al andar” (2021) ou “Luz nos Trópicos” (2020), é muito fácil criar digressões ou se perder no meio da projeção, se permitindo uma viagem para além do que é exposto. Talvez por essa razão, muitas pessoas julguem o cinema de Paula como “chato” ou “arrastado”, palavras comuns de se escutar após uma sessão sua. Em verdade, não há como categorizar de forma reducionista sua produção, mas sem dúvida seu cinema permite que o espectador atravesse diversos momentos durante uma única exibição. 

Esse mérito diz respeito à forma como seu registro encontra uma forma de tratar das interações sociais a partir de questões específicas de seu trabalho, seja em processos criativos, memórias ou outras temáticas. “O Canto das Amapolas” não se diferencia tanto do restante de seu trabalho mais recente de um ponto de vista formal, mas é um tratado mais pessoal que estamos acostumados e por essa razão, há uma beleza ao desnudar o encontro em formas tão distintas, da música à representação, da conversa prosaica à rememoração familiar. Uma história que é tecida ao passo que é projetada, quase que num fluxo contínuo, onde seu fim é ditado pelo momento em que há uma certa resolução destas memórias e destes afetos, quando nos aproximamos o suficiente para participar desta história que não é nossa, é o momento de fechar a janela novamente. 

A fala emocionada de Paula ao apresentar o filme e no momento de receber o troféu Carlos Reichenbach, sintetiza a beleza de estarmos diante da cineasta no momento de sua exibição. O júri jovem foi feliz ao escrever que o projeto “nasceu de uma necessidade bruta de se entregar ao mistério das imagens – não apenas uma fresta: abre todas as janelas que por tanto tempo sua mãe pedia para fechar”.

3 Nota do Crítico 5 1

Pix Vertentes do Cinema

  • Olá, vi o filme aqui em Lisboa e achei muito intimo e poético. Não ver o rosto e o corpo da mãe e da filha ajudou à fantasia, ao imaginar.
    Queria muito saber algumas das músicas do filme mas não consigo encontrar. Você consegue ajudar-me?

    Obrigado.

    Tomás

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