Me Tira da Mira
Reprodução caótica
Por Vitor Velloso
“Me Tira da Mira” é um produto brasileiro que sintetiza parte dos problemas que atingem o mercado nacional, especialmente quando o objetivo é a bilheteria. A direção é de Hsu Chien Hsin (de “Quem Vai Ficar com Mário?” e “Meu Preço“) que trabalha com uma série de clichês da grande indústria estrangeira, desde espionagem, mocinhos, bandidos, padrões de beleza e reviravoltas, até o formato picotado da narrativa. Esse arcabouço de padronizações não se encerra em uma trama arrastada e desinteressante, mas eleva a sensação de estarmos constantemente diante de um clipe musical, com cabelos esvoaçantes, câmera lenta e close no corpo de Cleo Pires. Essa sensação pop está tão desgastada que nem o famoso elenco é capaz de garantir a diversão do público.
Cleo, Fiuk, Fábio Júnior, Sérgio Guizé, Mel Maia, Stênio Garcia, Silvero Pereira e Júlia Rabello estão presentes em uma das maiores bagunças do ano. Está certo que parte desse elenco está constantemente comprometendo os projetos, mas no caso de “Me Tira da Mira”, o espectador terá de implorar a aparição de Júlia Rabello para que o tédio suma, mesmo que por dois minutos. A grande propaganda midiática em torno dos padrões de beleza e das relações entre parte desses famosos, pode até atrair um certo público, mas dificilmente irá conseguir provocar um riso. Isso porque durante toda a projeção, a história se divide em mostrar como Cleo Pires procura ser uma Kardashian brasileira e como a televisão cria a manufatura da opinião pública, onde os próprios clichês precisam ser importados e algumas identidades são distorcidas no consenso televisivo. Um exemplo, os criminosos “estrangeiros” que são caracterizados pelas tatuagens e cordões típicos dos produtos norte-americanos.
Agora, se em uma primeira leitura parece que estamos diante de uma obra frágil e esquematizada na cultura do norte, uma segunda interpretação apenas piora as coisas para “Me Tira da Mira” que consegue impôr a encenação, a mise-en-scène, das telenovelas, assim como seu padrão de vida, mas impulsiona os modelos mais absurdos dos roteiros engavetados, reproduzindo uma bagunça generalizada que não faz sentido nem em seus blocos isolados de tentativa humorística. Um exemplo dessa falta de consciência na construção do longa, é que no momento em que a ação, tão vendida nos trailers, entra em cena, o espectador não compreende nada do que acontece, são inúmeros cortes para representar um golpe, um tiro e uma consequência. A confusão é tão grande, que é possível se perder no espaço, gerando a sensação de que, no fundo, nada importa, apenas a beleza de seus protagonistas. E para que isso fosse meramente palatável, seria necessário que algumas interpretações funcionassem ou cumprissem um papel narrativo.
Contudo, cada personagem possui um ciclo óbvio, com conclusões rasteiras, estereótipos grosseiros e atuações vergonhosas. Silvero é reconhecido, por uma parte do público, por seu trabalho em “Bacurau”, participações na televisão e peças teatrais, mas aqui a coisa é desastrosa, mesmo que a intenção seja uma paródia vilanesca, seu papel beira uma série de adjetivos pouco amistosos. O mesmo pode se dizer de Kaysar, Viih Tube, Fiuk, Mel Maia e todos os outros. Essa tônica de Big Brother não funciona e tudo descamba para a confusão interna de um filme que deveria ser divertido e engraçado, ainda que só consiga ser aborrecido no próprio amálgama de padrões desordenados e um fluxo tão desajeitado quanto seus protagonistas. Nem mesmo a auto-afirmação de alguns personagens é capaz de sustentar essa reunião familiar que soa como a prévia de um novo clipe ou propaganda de seriado.
“Me Tira da Mira” é incapaz de ser efetivo sem grandes desvios narrativos e precisa de Júlia Rabello para ter um respiro, essa dependência não é tão inteligente, já que sua participação não é central. Dessa forma, o público terá de ter paciência com o novo filme de Hsu Chien, pois a diversão é escassa.