Festival Curta Campos do Jordao

Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu

Jogo dos sete erros, parte 2

Por Pedro Mesquita

Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu

Queira o leitor relevar o título confuso desta crítica. Explico: ele faz referência a um texto anterior escrito por mim, com o nome de “jogo dos sete erros”. Mas por que replicá-lo aqui? Pois uma das coisas que aprendemos muito rapidamente no exercício de avaliar — regular e diligentemente — todos os filmes que saem por aí é que muitos deles têm entre si uma quantidade incontável de semelhanças.

Escrevendo sobre filmes que muito se parecem, é inevitável a tentação de usar contra eles os mesmos argumentos. Isso parece justo em certa medida, afinal, grosso modo, trata-se da mesma experiência. Portanto, um aviso: no (raro) caso de o leitor já conhecer os textos publicados neste site sobre “Tintoretto – Um Rebelde em Veneza” (Giuseppe Domingo Romano, 2022), “Ennio, o Maestro” (Giuseppe Tornatore, 2022), “Sinfonia de um Homem Comum” (José Joffily, 2022), “Chorão: Marginal Alado” (Felipe Novaes, 2021) ou mesmo “Belchior – Apenas um Coração Selvagem” (Camilo Cavalcanti e Natália Dias, 2022), a leitura da presente crítica é dispensável. Igualmente, no caso de já ter assistido a algum desses filmes, a experiência do filme que abordaremos agora — “Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu”, dirigido por Carlos Jardim — também é dispensável, visto que ele não apresenta nada que nós já não tenhamos visto nessas obras de similar natureza.

O que seria, então, esse tipo de obra? Ora, tratamos aqui do clássico tipo dos documentários biográficos de caráter “institucional” — esses que saem aos montes hoje em dia, ocupando imensamente as prateleiras virtuais dos mais variados serviços de streaming (abra qualquer um deles — sobretudo o Netflix e o Prime Video, que parecem se especializar neste tipo de “conteúdo” — e veja quantos aparecem). A palavra “institucional” parece apta a descrever esses filmes, pois a intenção deles parece ser muito mais a de publicizar a sua personagem principal e menos a de propor uma experiência cinematográfica minimamente instigante. Eles tomam por protagonista alguma celebridade (artistas, atletas, políticos, socialites…) e lhes fazem um retrato deslumbrado e elogioso; muitas vezes, chegam até a levantar aspectos polêmicos, mas nunca para adentrar-lhes com a devida atenção — afinal, estas são peças cujo único objetivo é o elogio da sua personagem principal, a exibição dos seus talentos, a recapitulação da sua comovente trajetória…

Mas todos os motivos elencados acima são aspectos gerais, comuns a todo o gênero. Adentrando enfim a obra que pretendemos analisar aqui, como podemos explicar, a partir do material que o filme nos dá, a frustração de assistir a obras como “Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu”? Explicamo-a através da sua própria forma, que revela um filme absolutamente genérico. “Maria…”, assim como “Tintoretto…”, assim como “Ennio, o Maestro”, assim como “Sinfonia de um Homem Comum” — e a lista continua… — lança mão da manjadíssima estrutura linear biográfica para contar a história de sua personagem principal, a cantora Maria Bethânia; lança mão de uma narração (aqui, realizada pela própria Bethânia, que, assim como Ennio Morricone em “Ennio, o Maestro”, conta a sua própria história) ao redor da qual as imagens se organizam; lança mão de inserts de concertos que ilustram a grandiosidade da artista… O leitor certamente consegue imaginar com um elevado grau de exatidão o filme que o espera a partir desta breve descrição.

Em suma, “Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu” é um desses filmes que já se encontra feito — de cabo a rabo — antes mesmo da sua própria realização. A frase é ilógica, mas tem sua verdade: o gênero dos documentários biográficos foi conduzido a um tal grau de padronização que sequer ocorre aos realizadores a possibilidade de tomar qualquer outro caminho que não o mais cômodo. É aqui, porém, que a crítica de cinema revela-se impotente: qual o sentido em criticar a falta de ambição dos filmes se eles nunca a tiveram por objetivo? Em verdade, a mediocridade da obra não representa em absoluto um problema para os seus produtores e distribuidores. O filme não precisa, afinal, agradar a todos; contanto que ache o seu nicho — possivelmente os fãs da cantora —, a sua existência já se justifica e o seu respaldo popular está garantido.

“Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu” é, enfim, assim como vários outros produtos da sua natureza, uma peça publicitária tentando se passar por cinema. O juízo que o espectador faz da obra dependerá da sua tolerância para com esse fenômeno.

1 Nota do Crítico 5 1

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