Hypnotic – Ameaça Invisível
O plágio de quem já teve ideias
Por Vitor Velloso
Festival de Cannes 2023
O (ainda?) cultuado diretor Robert Rodriguez (de “Um Drink no Inferno”, 1996; “Sin City”, 2005; “Planeta Terror”, 2007) tinha a ideia de realizar “Hypnotic – Ameaça Invisível” desde 2002 e após tantos anos de espera o espectador recebe uma das piores adições de catálogo para o streaming do ano. Este longa-metragem é uma cópia de “A Cura” (1997), de Kiyoshi Kurosawa, e possui uma das estruturas narrativas mais bagunçadas de 2023. Sem saber de onde começou, nem para onde vai, o longa se perde em uma espécie de paródia de ação hollywoodiana, enquanto Rodriguez finge ser o Christopher Nolan.
Um dos maiores problemas do filme é não conseguirmos enxergar o Robert Rodriguez trabalhando na direção. Isso porque o ar genérico da ação transparece um produto feito sob encomenda para uma gigante do mercado cinematográfico, com um tom cinzento, padronizado e formulaico, que enrijece o orçamento de mais cinquenta milhões de dólares. Ou seja, nem mesmo uma das marcas registradas do diretor, a questão plástica, consegue ter algum destaque nessa confusão generalizada que é “Hypnotic – Ameaça Invisível”.
O roteiro procura construir paulatinamente um grande desfecho, que deveria surpreender o público, mas só consegue ir colocando camadas desnecessárias em uma narrativa que por si só não consegue se sustentar. Assim, quando há a soma de uma história fragmentada e confusa, com diálogos expositivos que procuram explicar passo a passo do avanço para o público, a coisa toda vai ficando realmente insustentável. Não por acaso, a cada nova cena, Rodriguez se esforça em criar um novo gancho/gatilho para trazer a curiosidade do espectador o mais próximo possível de uma proximidade dramática com a história de Danny Rourke (Ben Affleck). Contudo, esses dispositivos não são o suficiente para servir de argamassa à colcha de retalhos que é exposta pelo roteiro e agravada pela montagem, que arrasta a curta duração do filme para uma desagradável experiência, capaz de curar insônia e desanimar o mais empolgado espectador na sala de cinema. Conforme progride, “Hypnotic – Ameaça Invisível” fica mais confuso e perde ritmo de forma acelerada, nem mesmo a carismática Alice Braga, interpretando a hipnótica Diana Cruz, é capaz de salvar o naufrágio rotundo de um longa desgovernado.
E se o imaginário estético da obra de Robert Rodriguez o fez ser cultuado por um seleto grupo de pessoas ao redor do mundo, essa particularidade se perde por completo aqui. Os poucos respiros de qualidade na carreira do diretor surgiram de uma liberdade criativa, onde ele podia extrapolar qualquer razoabilidade normativa e quebrar uma série de padrões estéticos que imperavam no contexto de cada obra. Normalmente apelando para o absurdo e a desconstrução naturalista, o tom bizarro de diversas cenas emblemáticas de sua filmografia surgiam da coragem do diretor em explorar a linguagem dos quadrinhos e sua literalidade, sem precisar prestar conta com a indústria. Tanto em “Sin City” (2005), com a participação direta de Frank Miller, quanto em “Um Drink no Inferno”, 1996; “Planeta Terror”, 2007, a necessidade de tornar palpável as erupções de um cinema independente que almejava os traços industriais, fizeram com que sua estética fosse notada pelos cinéfilos, críticos, cineastas etc. Aqui, tudo é uma projeção do que poderia ser e uma cópia mal formulada, engessada e bagunçada de “A Cura” (1997).
É curioso notar que o alto orçamento e o referencial estético mais sóbrio/sombrio são capazes de destroçar qualquer possibilidade de funcionamento em “Hypnotic – Ameaça Invisível”. A revisão de um projeto de vinte e um anos de idade é necessária, talvez uma reformulação completa pudesse ajudar o longa a, pelo menos, ser assistível. Mas infelizmente o Rodriguez vem se afundando cada vez mais nesse emaranhado que ele tanto se manteve paralelo ao longo desses anos, ao ponto de dar a entender que apenas assinou um papel que pudesse legitimar o projeto com sua direção/ideia.
Sua obra nunca foi um referencial para esse que vos escreve, mas este último projeto é um ponto limítrofe que não tem volta. “Alita” (2019) ainda tinha alguma alma, o que sobrou foram pequenos lampejos de um passado, como na cena da prisão.