Greyhound: Na Mira do Inimigo
A aeronáutica dos EUA
Por Vitor Velloso
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O ufanismo norte-americano é de um complexo de Édipo interminável. A luta contra os britânicos e o extermínio dos nativos é o resíduo Histórico apagado da contextualização da sociedade estadunidense. Em “Greyhound: Na Mira do Inimigo” as bases desse nacionalismo que cega os próprios olhos surge desde os primeiros momentos, onde o romance de Krause (Tom Hanks) vem na aleatoriedade que não só consuma a cinematografia a partir de um drama que sustente a terra natal, uma espécie de “necessidade” de retorno.
O ponto é, quando há espaço para que haja divagação individual em meio à uma guerra, o centralismo dos déspotas é aberto para ordens e inúmeros constrangimentos em meio militar. Mas Krause é superior, é o homem que sente falta de casa, pois lá o amor de sua vida o espera, ele é o centro do filme, ele é o herói que o cinema Hollywoodiano precisa. Pois ele contabiliza as mortes, jamais comemora a morte de seus inimigos. É o Leônidas de “300” de Zack Snyder, fardado com a força da Marinha Norte-Americana.
A concepção é tão frustrada no meio dramático que o espectador é massacrado com as ordens militares e tiros e mais tiros de canhão, vezes interrompido por um berro, uma explosão ou…um negro que vem da cozinha agradar o capitão. A base da moral estadunidense está toda posta em cheque aqui, no “heróico” confronto final, em meio a óleo e sangue no mar, os soldados vibram com a vitória, mas Krause não, pois Krause possui suas dúvidas da necessidade do massacre. Tudo é desenhado para que Tom Hanks interprete essa ética inabalável, sentindo a dor da morte de um soldado sob seu comando, mas sem ousar vibrar o fim nazista em meio ao mar revolto.
O ápice dessa verve política da ação cinematográfica, capitalizada pela grande indústria, na casa dos 50 milhões, é a necessidade de resgatar os britânicos. É claro, o filho superou o trauma de Édipo e agora deve salvar seu pai de uma morte horrível, mas não se preocupe, o navio que dá nome ao filme, “Greyhound: Na Mira do Inimigo”, não está sozinho. Contando sempre com seus bravos aliados o longa caminha em direção ao seu “anticlímax”, não porque recusa o fetichismo da vitória patriótica, mas por incapacidade de trabalhar na montagem alguma tensão que consiga extrair das situações ocorridas, o medo, que Krause tanto sente.
Aaron Schneider patina em todas as tentativas de capilarizar os ápices, falha miseravelmente em conceber a ideologia norte-americana como uma unidade a bordo, pois perde tanto tempo filmando o mesmo personagem que Charlie (Stephen Graham) e Eppstein (Karl Glusman) viram objeto de decoração do navio. Dois bons atores desperdiçados no compasso de um sonar. Talvez no livro que deu origem ao filme, “The Good Sheperd” eles também não tivessem vez, mas aí cabia ao Tom Hanks modificar isso.
A forma é dada através de simples resolução, com alta tentativa de rigor técnico, gerais realizados no computador, buscando uma contextualização marítima das batalhas, close no Tom Hanks, para mostrar o quanto ele está tenso com a situação, médios nos demais personagens, para lembrarmos que eles existem, POVs nos canhões, porque além de fálico o cinema norte-americano precisa se exibir da potência de seus canhões. Mas como dizia Norma Bengell, “o cinema de Hollywood sofre de ejaculação precoce”, tudo é resolvido em cortes rápidos, enquadramentos que se contentam com a constatação do ato e claro, planos mais longos para que vejamos o Herói em tela.
O projeto neoliberal é tão denso que decide diluir “Greyhound: Na Mira do Inimigo” à um indivíduo apenas, de resoluções pragmáticas e sempre certeiras. E devemos lembrar que Krause é cristão, reza em determinados momentos, aplica frases “filosóficas” fora de contexto, coloca um sapato da amada em meio à guerra (é sério) e força o filme a lançar flashbacks para que lembremos dos primeiros minutos, onde a única mulher do filme é apresentada em três frases e retorna no meio, sem motivação dramática alguma, apenas para lembrarmos o que “está em jogo”.
“Greyhound: Na Mira do Inimigo” possui tanto desprezo por outros personagens e pela contextualização histórica que se recusa a mostrar a morte, seja por moralismo ou orgulho, é vitorioso onde bem entende, é pretensioso na forma para que haja “impacto visual” à lá “Dunkirk” e chega atrasado às residências, no mínimo, quarenta anos, pois a moda de batalha naval e ufanismo no mar, já passou. Mas claro, o heroísmo nunca morre e os aplausos dos heróis de guerra devem ser recebidos no pôr do sol.