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Entre Facas e Segredos

Carência de Invencionices

Por Jorge Cruz

Entre Facas e Segredos

Entre Facas e Segredos” parece encerrar 2019 como o êxito pouco provável da temporada. Sua fórmula de sucesso é uma mistura de cumplicidade do público para com o diretor Rian Johnson, carência de invencionices de um roteiro calcado em boas reviravoltas do mesmo cineasta e, claro, qualidade na execução e estética agradável da obra em si. A boa vontade dos espectadores e da crítica que creditaram a Johnson a receptividade de “Star Wars VIII: Os Últimos Jedi” (2017) é latente, tornando esse longa-metragem de mistério bem mais atraente do que o lançamento de produtos parecidos dos últimos anos, como o truncado O Espião que Sabia Demais” (2011), e de “Assassinato no Expresso Oriente” (2017), da inspiração auto-referenciada Agatha Christie.

A crise do filme se instala a partir da morte do famoso escritor Harlan Thrombey (Christopher Plummer), a ser investigada por agentes público e um detetive particular. Um dos grandes acertos de “Entre Facas e Segredos” é trazer um texto generoso com o veterano ator, usando ao máximo seu carisma. Plummer, que completou 90 anos no último dia 13 de dezembro, poderia ser uma cereja no bolo do grande elenco de apoio. Porém, o roteiro esquarteja sua participação, nos entregando doses de esclarecimentos dos momentos que antecederam seu falecimento de maneira a nunca perdermos de vista sua interpretação.

Quem não possui a mesma afinação no desempenho de seu ofício é Daniel Craig, que por vezes monopoliza as ações sem o mesmo êxito da co-protagonista. O investigador particular por ele interpretado, Benoit Blanc, não possui uma personalidade definida. A trama o apresenta como inocente, esperto, burro ou de outras formas diferentes de acordo com a conveniência. Tanto que, em determinadas situações, o ator parece emular um Hercule Poirot mais galanteador; enquanto, em outras, se aproxima de um Sherlock Holmes menos capacitado. Talvez por isso que o grande brilho de “Entre Facas e Segredos” seja Marta Cabrera (Ana de Armas), uma personagem com muito mais camadas que boa parte dos colegas de cena somados. A atriz cubana, cada vez mais próxima do topo da carreira em Hollywood, entrega um excelente trabalho e com méritos foi indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz de comédia. O filme ainda traz como destaque um divertido Chris Evans, muito a vontade no papel de Ransom Drysdale.

Quem credita de maneira amistosa o prazer de assistir a essa produção às referências e ambientação de grandes tramas de mistério da literatura de gênero é bem menos justo do que aqueles que apenas viram na obra uma boa diversão. O filme tem vida própria, personagens construídos como reflexos de seu tempo e não merece ser entendido como um resgate de tramas de espionagem do passado. Um exemplo a ser citado é a tentativa de construção de debate acerca das discriminação sofrida por imigrantes representada no tratamento dispensado pela família de Harlan à Marta após o falecimento daquele. Sua proatividade torna bem mais convincente suas decisões em comparação às falsas mocinhas hitchcockianas do passado. Rian Johnson utiliza da narrativa moderna de simulação de documentários para colher no primeiro ato uma boa quantidade de depoimentos, gastando com moderação os flashbacks pelo caminho. Quando o ritmo de “Entre Facas e Segredos” é acelerado, fica claro que mais de uma reviravolta será presenciada pelo público.

Esse dinamismo incontestável acabou sendo alçado a grande mérito de um longa-metragem que aplica os métodos hodiernos mais eficientes de entregar um produto da indústria que equilibra resgate estético-narrativo e originalidade de trama. Por vezes é bem mais Doistoiévski do que Conan Doyle, com o adição de possibilidades que o protagonismo feminismo permite. Há uma grande inconsistência dentro da (quase) irretocável verossimilhança que recheia a trajetória de “Entre Facas e Segredos”. Acontece na cena que une de forma derradeira Christopher Plummer e Ana de Armas e a ideia aqui não é comprometer a experiência de quem ainda não assistiu. Ali fica claro que o Rian roteirista, em seu quinto longa-metragem, ainda busca soluções fáceis que geram inconsistências na narrativa. Mesmo longe de atingir uma boa pontuação na escala Jordan Peele de originalidade, não precisava apostar tanto na inocência de quem assiste.

Já o Rian diretor vai encontrando seus momentos de inspiração. Algumas boas sequências de uso de sombra (uma com um pintura do rosto de Plummer e um jogo de ilusão de ótica que parece criar um corpo embaixo é um dos auges do filme) mostram que o cineasta quer ao máximo por em prática suas ideias dentro do que uma obra feita para o circuito comercial permite. Por isso tal destreza se apresenta com parcimônia, sendo na maioria do tempo um trabalho correto.

É compreensível este clamor em uma época que entulha os cinemas mais populares de franquias intermináveis, onde se reconta, amplia e modifica as histórias de um grupo de personagens que voam, são indestrutíveis, andam de varinha ou anéis mágicos. Fatalmente Rian Johnson terá que fincar o pé para manter viva a originalidade de sua filmografia, vide o que a Disney fez em “Star Wars IX: A Ascenção Skywalker“. Hollywood já jogou aos leões quem tentava fazer o diferente, de Alfred Hitchcock a M. Night Shyamalan. Considere-os bestas ou bestiais, a História do Cinema já nos mostrou que a próxima parada de um realizador com tal personalidade é na Estrada do Desprezo, até que se chegue à Estrada do Resgate. Pensando bem, vamos todos sair por aí dizendo o quão bom é “Entre Facas e Segredos“, na tentativa de salvar essa alma pura que habita o corpo de Rian Johnson.

3 Nota do Crítico 5 1

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