Reprise Mostra Campos do Jordao

Ela e Eu

Está tudo muito bom mesmo

Por Ciro Araujo

Durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2021

Ela e Eu

O que há de se falar sobre dramas familiares? Seu fazer é uma arte em paralelo, é uma construção manual têxtil sob cada linha para tencionar todo o embate. “Ela e Eu”, novo longa-metragem de Gustavo Rosa de Moura, é um exemplo perfeito do estudo de roteiro para a entrega do gênero. Em seu começo, a abertura de um estúdio grande, a antiga Fox, que hoje em dia já perdeu seu nome e leva apenas como “20th Century Studio”. Talvez essa entrada já dê uma espécie de efeito Kuleshov para o espectador, já que toda a arquitetação dramática se traduz em um tom inicial artificial.

Quando analisar a obra, a maneira mais ideal esteja ao comparar com uma cadeira de balanço. Ela sempre está na eminência de continuar seu movimento pendular. A dinâmica familiar encontrada é comparável à metáfora, que assimila uma necessidade de quebrar constantemente a noção de “família margarina” existente na obra. Para tanto, Gustavo decide utilizar de pontos estruturais quase clássicos, usos de desestabilizações que transformam a narrativa no mínimo bem trabalhada e observada. A inocência da personagem de Bia, que recentemente acorda de um coma de vinte anos, reconduz noções familiares pré-estabelecidas. Assim, há por exemplo a própria pergunta sobre como um relacionamento existe e para quê serve exatamente. O amor permanece, mas o que há além dele é o questionado.

Apesar do exemplo de “família margarina”, “Ela e Eu” ainda se prende muito ao seu próprio universo criado que é bondoso. Em contraste com escolhas de cineastas recentes (e é aí que entra uma parte de sua própria artificialidade), Gustavo decide entregar uma caridade ao cosmos. Sempre existe um entendimento. Seria ótimo se a realidade acontecesse assim, não? Mas é ótimo, através da tela cinematográfica, perceber um canto de comodidade diante desses sentimentos. Afinal, a fertilidade que jaz diante de pequenas cenas pode ser tão reconfortante para um mundo contemporâneo. Então existe uma ironia entre a produção de um mundo acessível e uma tensão crescente, uma espécie de crescimento maduro – talvez até demais.

Em um elenco tão trabalhado, diante desse núcleo que pode ser chamado de um com maturidade, o personagem de Mariana Lima, que interpreta uma mãe que não é mãe (biológica); o medo de ser substituída, como um brinquedo temporário, conclui-se como um ótimo equilíbrio. Existe, além da naturalidade, a imaturidade, impostas através dos artifícios escolhidos para a dramatização. É algo sentido, palatável de longe, quase em um clichê pois soa tão comum. Talvez a palavra mais precisa para tal seja empatia. Parece que existem escolas de pensamento que classificam o gênero, que pode ser apelidado de “dramatização familiar da classe média brasileira”. O nome, claro, tem seu exagero, mas é bem perto desse caminho. “Benzinho”, “Que Horas Ela Volta?”, “Como Nossos Pais”, “Casa Grande” são exemplos. Através de linhas tênues que trazem consigo não apenas uma hierarquia social tão cômica e falida, esses filmes se afeiçoaram muito do renascimento do cinema no país e da oportunidade de os representar, assim como criticar.

O que diferencia trabalhos já estabelecidos com a obra de Gustavo é justamente a dualidade encontrada. Uma tensão que está muito feita dentro dos atores. Bia (interpretada por Andréa Beltrão), é um renascimento lido dentro da tela. Como se estabelece uma relação de vinte anos antes e vinte depois, o próprio texto e interpretação já são o suficiente para explicar como existiam duas personagens que se modificaram totalmente através dos anos. Inclusive existe algo que impacta dentro da transformação que é a relação filha e mãe. Remetendo a atuação de Mariana, que age como uma matriarca. A frase “Mãe é quem cria”, cai bem para a estrutura proposta pelo roteiro. Em “Ela e Eu”, o sentimento que fica é um agridoce, pois não sobram sentimentos para uma filha que romantizava a verdadeira progenitora e para aquela que não conviveu e se sente ultrapassada ou engolida pelo tempo. Tudo a partir de um desejo construído pela imaginação, que não supera expectativas. Como lição de moral, um desfecho que faz sentido ao seu próprio cosmos, um generoso, um de entendimento. Novamente, a palavra alvo que permanece é agridoce. “Acho que a gente vê o mar muito diferente” responde a filha, enquanto a mãe retruca “mas não tem problema!”. Afinal, está tudo muito bom mesmo.

4 Nota do Crítico 5 1

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