É Preciso Uma Aldeia
Um incêndio cairia bem
Por Ciro Araujo
Durante o Olhar de Cinema 2022
Existe algo dentro do cinema da Europa oriental, especialmente na região de maior predominância étnica eslava, que traduz exatamente o espírito em que “É Preciso Uma Aldeia”, primeiro filme do cineasta Adam Koloman Rybanský. No sentido de criar comicidade diante da visão pequena da coisa, em cortes secos, personagens que se movimentam preguiçosamente e uma relação bem próxima inclusive do visual. Se é possível citar de cabeça, imediatamente a obra do também checo Miloš Forman, “O Baile dos Bombeiros” é inspiração clara para esta obra. Seja pelo aspecto burocrático do negócio, pela obsessão por bombeiros como comicidade, a personificação de certos esteriótipos dentro da cultura da Europa Central.
Para mais, diferente de Forman, Rybanský sabe das limitações de época. Afinal, muito diante do trabalho de seu predecessor, existia o contexto de Guerra Fria e Iugoslávia pela frente. Nesse filme mais recente, a escolha é elaborada diante do caldeirão efervescente que é impossível de escapar comentar ou ouvir sobre: a imigração. Dentro dessa cidadezinha minúscula, uma vila para melhor caracterizar, há a crescente bolha carregada de notícias falsas (fake news) e afins, como ideias fascistas, racistas, xenofóbicas, todas cerceando. Claro que esse carregamento é levada pela Internet, porém o longa-metragem compreende também algo importante: pelo ódio e frustração também se absorve esse sentimento de fragilidade e repulsa. O personagem de Brona (interpretado por Miroslav Krobot), chefe dos bombeiros, é exatamente um descendente de todas as visões conservadoras possíveis, explicada pelo filme que automaticamente o analisa, como sintoma da perda de sua esposa; sua vida, em teoria, perdeu o sentido, ou quando o lamenta: “Já fazem dois anos sem incêndios. E já vamos para três.”
Esse foco em se atentar para questões étnicas e a sopa racista que existe na região são certeiras. A xenofobia aplicada aqui com árabes é explicitamente condenada, assim como retratada. Personagens ciganos, ou melhor, romani são tratados como escória, e estes o fazem também com o grupo semita – no caso, árabe. A hierarquia da opressão é dada em poucos minutos de tela, contudo possuem estrelismo pela sua atenção. Igualmente também são suas correlações à disseminação de teorias de conspiração e como se espalham. A análise observada na obra consegue ser efetiva, apesar de perder bastante força durante seu delongar. Quiçá seja pelo estrondo realizado durante seu já início extremamente cômico, mas o humor visual invade toda a interpolação apresentada sobre a olhar atual do interior europeu.
Se suas fortes ligações com o contexto e panorama da República Tcheca são mostras de capacidade de Rybanský, seu humor visual entra em vias mais complexas. A clara linguagem visual mistura com a comédia de costumes, mas não vai além. Seu ritmo é de sempre possuir imagens fortes e apelativas ao cômico, desenha através de formas e enquadramentos possibilidades. Quando precisa finalizar com pontos finais esses pequenos setpieces (cenas, podemos chamar), “É Preciso Uma Aldeia” não é certeiro. As piadas são projetadas para serem infladas, e aumentam cada vez que aparece em tela, até que sua falta de pontualidade não consegue atingir um clímax dentro do humor. É claro, risadas podem ser retiradas com facilidade diante do filme e de sua postura tão “leve”, mas a que ponto chega quando parece esquecer da anatomia da piada? Grandes humoristas cinematográficos perpassam por essa problemática, onde talvez a pergunta de qual é o limite do humor possa chegar aqui. Não, o fim não é justamente até o quão ácido ela pode ser, mas talvez como ela deve ser contada. Muitos que se arriscam na comédia, um gênero tão marginalizado, esquecem de estrutura e forma. O que Wes Anderson faz, por exemplo, fruto de Buster Keaton e associados do cinema mudo, dependendo de como aplicado acaba revelando-se exagerado e pouco efetivo; Como no recente “A Crônica Francesa”, que parece se levar tanto pelo visual que a própria imagem o sabota. É apenas quando o filme depende de seus personagens que ele brilha de verdade, entregues às atuações e emoções pálidas, frias e secas. O tal do deadpan.
“É Preciso Uma Aldeia” ainda assim é uma mostra fascinante do cinema tcheco. Não é grandioso e nem vai além de sua própria capacidade. Medíocre é uma palavra muito amargurada para o chamar de tal, talvez seja melhor usar a palavra comum, que o bem define. Algumas particularidades que o pecam também são presentes, como seu fim extremamente conciliador após analisar completamente a vila e seus costumes que sempre enfrentam insignificantes problemas comparados com uma tal ameaça terrorista. A obra pode até procurar explicar de onde surgem “extremismos”, mas não gosta de alçar além, em sintonia com seu modus operandis na comédia.