Mostra Um Curta Por Dia Marco mes 9

Dois Estranhos

A recepção e um retrato ambíguo

Por Vitor Velloso

Netflix

Dois Estranhos

“Dois Estranhos” de Travon Free e Martin Desmond Roe, curta-metragem da Netflix, vencedor do Oscar de melhor curta-metragem na edição de 2021, é uma obra que incomoda e desestabiliza o espectador por razões dúbias. A narrativa é simples mas desafia o público com as múltiplas cenas de violência que se acumulam de maneira “gratuita”.

A diretriz é mostrar como a polícia norte-americana intenciona a morte da população negra em um claro genocídio amparado pelo Estado. Não importa o que o protagonista faça, ele morre em uma ação covarde de um policial racista. A estrutura do filme é de denúncia constante às vítimas diárias desse extermínio institucionalizado. Em cada uma das sequências uma nova série de referências reais ganha corpo e a de George Floyd abre esse martírio. Essa construção possui uma consciência dos desdobramentos dramáticos que impõem ao protagonista e sua relação não apenas com a morte, mas com a figura do policial em si. 

A partir desse seguimento, o espectador é levado à diversos caminhos onde a interpretação dessa narrativa passa por sustos constantes, desde uma possível reconciliação dos dois personagens à aceitação do massacre como uma questão cultural que ele deve enfrentar, mesmo que não entendendo como. A falta de resolução direta para a trama em “Dois Estranhos” acaba demonstrando que esse diagnóstico levantado pelo filme, problematiza algumas das maneiras que o país buscou de cessar, ou minimizar, a perseguição. Consegue criar um incômodo exponente com suas reverberações históricas, em um espaço demarcado pela própria trajetória que o protagonista não consegue fazer. O confinamento é esse martírio que o impossibilita de ir e vir, para ir de encontro ao seu cachorro. Um simples ato de fumar um cigarro na calçada, vira motivo para assassiná-lo. Andar em linha reta, leva à sua morte. Conversar com o policial, traz outros policiais. Permanecer na casa, uma invasão. 

Em cada canto há opressão, morte e violência que o protagonista busca evitar. Se a resolução não aparece, a denúncia nos créditos finais serve como um escrito de cansaço diante de uma sociedade e força policial que possui alvos estritamente marcados. Dito isso… Até onde vai a exploração e o oportunismo de uma tragédia real para fomentar um produto que irá competir na premiação que conhecemos bem? Acho que a recepção dividida diz por si. A exposição dos diálogos é uma marca institucional que o filme terá de lidar. 

2 Nota do Crítico 5 1

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  • Oportunismo? Exploração de uma tragédia? Não vejo assim. O curta traz diálogos e críticas muito bem construídos. O seu texto me parece um tanto preguiçoso. Ao meu ver, não soube demonstrar como esse produto audiovisual foi oportunista e ‘explorador de tragédia’. Se curtas/filmes/séries forem sempre taxados assim, simplesmente por colocarem adaptações de fatos chocantes nas telas, acabaremos com as produções audiovisuais.

  • É preciso ser muito desconectado da realidade ali mostrada, de maneira alegórica, claro, para dizer que o filme é oportunista. Realmente, deve ser muito difícil para quem nunca nem passou perto de uma situação assim compreender. Como ‘sobrevivente’ dessa dinâmica do que o racismo impõe sobre corpos e mentes de negros aqui e acolá posso dizer que a linha que entendo é próxima do que Ta-Nehisi Coates expõe em “Entre o mundo e eu”:

    “O racismo é uma experiência visceral, que desaloja cérebros, bloqueia linhas aéreas, esgarça músculos, extrai órgãos, fratura ossos, quebra dentes. Você não pode deixar de olhar para isso, jamais.”

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