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Tragam-me a Cabeça de Carmen M.

Brasil como farsa decadente

Por Vitor Velloso

Mostra de Cinema de Tiradentes 2019

Tragam-me a Cabeça de Carmen M.

O Brasil é um país de constante erupção artística. Fervilhando de culturas, cores e movimento o planeta tupiniquim sempre foi reconhecido por sua intensa verve. Deste modo, a arte brasileira sempre aconteceu em tempos políticos diversos, nunca brandos, pois, este país nunca conseguiu viver uma status sólido de paz. “Tragam-me a Cabeça de Carmen M.” é sobre uma herança nacional, fundada através de uma postura decadente da memória brasileira. A História (com H maiúsculo) sendo repetida como farsa, porém, com o desenvolvimento da proposta opressora daqueles que estão perpetuados no poder. O média não é um ato de resistência ou luta direta contra essa visão da maioria, vai por outro caminho, se atendo aos atos políticos do nosso falso senso de progresso e a figura da Carmen Miranda como uma verdadeira figura de pensamento do estado de ser brasileiro.

Muito antes das figuras tão consolidadas por nosso cinema, principalmente entre a década de 50 e 70, as pessoas que estão à margem da sociedade e que buscam seu espaço entre aqueles que são vistos e escutados, o Brasil já mostrava sua face em tempos coloniais, onde grande parte de negociações pré-guerra e territoriais, eram resolvidas por filhos de índios e europeus, ou mesmo os Crioulos, nascidos aqui com parentesco europeu. A beleza da atitude não está em seus atos morais, já que aqui estamos distantes o suficiente da história para dizermos isso, mas suas estratégias de sobrevivência em meio a um caos social tão intenso. E o espírito que nos define enquanto agentes que subvertem aquilo que é tido como normal e decente, é de fato a maior característica do povo brasileiro.

Felipe Bragança, que dirige junto com Catarina Wallenstein, busca em “Tragam-me a Cabeça de Carmen M.” uma representação de nossa farsa histórica, tendo em sua mira os caóticos processos políticos e invocando a História (Barthes) contra ela mesma. Ele lança sua personagem em uma misancene estranha, tão artificial que nos parece hiper-real e contrapõe esta visão a um universo preto e branco, onde vemos uma postura mais concisa e cadenciada, com cortes mais fluidos. E toda essa construção se dá através de um frenesi de imagens em movimento e colagens de um Brasil ilustrativo.

A vulgarização de determinadas colagens nos dá o tom que a obra busca com a personalidade da protagonista, sempre à beira de uma catástrofe psicológica por não conseguir ser tão impactante quanto acredita. E para mediar todo esse confronto que um artista pode sofrer enquanto ser social e detentor de tesão, Helena Ignez surge como esse ponto fantasmagórico entre a realidade e a dívida histórica, como uma figura sorridente, mas deficiente, extremamente exigente, porém que busca extrair o melhor da artista.

Enquanto angústia qualquer ser humano sofre com seus processos e decisões, enquanto projeção artística a questão dá lugar a uma certa maldição de sempre confrontar sua obra com sua própria maneira de agir, além disso, superar suas criações através da evolução da estética, mas o caminhar desta atitude o leva a destruir-se diante do espelho egóico da criação.

A protagonista de “Tragam-me a Cabeça de Carmen M.” está na angústia da expressão artística nesse exato sentido, deve se despedir de uma padronagem social e se projetar ao mundo como subversivo. Sente-se travada quando compreende que está em lugar que não é seu em primeiro momento, deve ocupar o mesmo e para isso esquecer suas limitações. Lembro-me de “O abraço da serpente”, que possui uma cena onde o europeu é obrigado a abandonar todos seus pertences para adentrar em uma jornada espiritual. E Ana faz exatamente isso, ela adentra em mundo que não lhe é de origem, como a intensa boemia da Lapa e Santa Tereza.

Existe um núcleo apresentado logo nos primeiros planos, onde há a introdução de duas personagens trans, uma possui um arco brevemente claro, mas a outra ficou levemente perdida na trama. Ainda assim, a utilização desta misancene no início da projeção serve de perfeito contraposto à parte posterior, onde ele amarra um certo classicismo ao mesmo passo que se liberta de todos os dispositivos que nortearam a obra anteriormente. Mas ainda assim, gostando ou não do média, ele permanece e ocupa os pensamentos das pessoas.

4 Nota do Crítico 5 1

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