Balanço Geral e Vencedores na Mostra de Tiradentes 2023
Uma análise de tudo o que aconteceu no festival mineiro, com cheirinho de chuva e gostinho de pão de queijo
Por Vitor Velloso
Chegou ao fim a 26 Mostra de Tiradentes, o evento que abre o calendário dos grandes festivais nacionais e promove determinadas tendências da produção independente brasileira.
A última edição presencial da Mostra foi em 2020, que contou com a cobertura do Vertentes do Cinema. De lá para cá, por conta da pandemia, todas as edições foram em formato online, sendo que a de 2021 foi cancelada faltando aproximadamente uma semana para todos estarmos juntos, celebrando o cinema brasileiro. Foi bonito notar que apesar de todas as chagas que a pandemia deixou, a Mostra de Tiradentes seguiu com o mesmo espírito coletivo de sempre, fortalecendo amizades, criando laços e unindo todos no Cine-Tenda, no Centro Cultural Yves Alves e na Praça.
A temática da edição foi “Cinema Mutirão”, onde a curadoria procurou definir como uma “…aposta no necessário esforço coletivo para erigir bases novas e reforçar as estruturas resistentes, ainda que fragilizadas, do audiovisual brasileiro. Na 26ª edição da Mostra, não nos desviamos das discussões sobre os filmes e as práticas de profissionais de cinema, mas arriscamos fazer uma proposição ampla que chama para o debate todos aqueles e aquelas que querem colaborar para construir uma base sólida para a construção (e a reconstrução) do audiovisual brasileiro.”
Justificando parte desta escolha Temática, a partir do contexto social, econômico e político que o Brasil enfrenta:
“Nos últimos anos, o apagão das instituições culturais e das políticas de fomento e incentivo, a redução drástica de público nas salas de cinema, a consolidação da hegemonia dos oligopólios dos streamings, assim como os cortes de financiamento para pesquisas, fragilizou o setor do audiovisual no Brasil do ponto de vista econômico, político, mas também simbólico. Por um lado, uma crise econômica; por outro, um projeto político federal de tentativa de desmobilização, neutralização e corte de políticas públicas. Entre uma coisa e outra, a pandemia. Esse cenário que se efetivou catastrófico não impediu a permanência de uma resiliência que buscou alternativas à sua sobrevivência, que procurou não abrir mão das suas conquistas anteriores, ainda que insuficientes ou ameaçadas.”
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Está claro que parte dessa inspiração não está apenas na catástrofe que assolou o setor cultural nos últimos anos, mas no próprio slogan que era lembrado no início de todas as sessões: “União e Reconstrução”. Não por acaso, aconteceu o “Fórum de Tiradentes”, que objetivava unir pessoas capazes de pensar e planejar um futuro para o audiovisual brasileiro. Foram cinco Grupos de Trabalhos, os GTs, com dezenas de profissionais, organizados em: Formação, Produção, Distribuição, Exibição/Difusão e Preservação. Após a apresentação do debate ao público e da plenária geral, foi escrita uma A Carta de Tiradentes, direcionada ao recém-refundado Ministério da Cultura, e cuja Excelentíssima Ministra Margareth Menezes estava presente, e assim pode assistir ao debate que levou à publicação dessa Carta, que pode ser lida na íntegra aqui.
Na Mostra de Tiradentes não há jornalistas e sim amigos. Um deles, muito mais que um colega de profissão, Marco Fialho, foi “obrigado” (com respeito e brincadeiras internas, é lógico) a responder o que achou da 26 Edição da Mostra de Tiradentes e quais as diferenças deste ano para as demais edições presenciais. Fialho, do blog CineFialho, respondeu:
“Essa mostra de Tiradentes teve grandes diferenciais em relação a outras. Pra começar, vale mencionar o importante Fórum Audiovisual que reuniu grande nomes da área que durante a semana trocaram idéias que resultaram numa carta a ser endereçada ao novo governo e auxiliar em uma política pública para o audiovisual. Outro dado novo foi o aumento das cabines voltadas para o mercado de distribuição internacional, os WIP (Work In Progress). Para finalizar quero destacar a presença na mostra Olhos Livres de duas diretoras fantásticas do nosso cinema: Helena Ignez com o audacioso “A alegria é a prova dos nove” e Paula Gaitán com “O Canto das Amapolas”, filme muito pessoal e que arrebatou o prêmio Carlos Reichenbach, pela escolha do Júri Jovem. Queria ainda destacar a presença do primeiro filme da Regiao Norte numa mostra competitiva em Tiradentes, o documentário”Terruá Pará”, dirigido pela cineasta Jorane Castro, que discute de maneira profunda a diversa e eclética música paraense. De resto, é importante salientar a ótima oportunidade para assistir filmes desafiadores, debates incríveis e travar encontros com novos e velhos amigos.”
A 26 Mostra de Tiradentes contou com a exibição de 134 filmes (entre longas, médias e curtas-metragens), de 19 estados brasileiros. Como de costume, o Vertentes do Cinema procurou acompanhar as Mostras competitivas, mas não foi possível realizar essa cobertura de forma integral por conta do suporte logístico apresentado pelo festival.
A homenagem a Ary Rosa e Glenda Nicácio, da Rosza Filmes, é uma inusitada escolha, já que há pouco os cineastas ainda figuravam na Mostra Aurora, mas não deixa de ser uma seleção consciente, especialmente pela compreensão da importância da dupla de diretores para o cinema brasileiro contemporâneo.
A Mostra Olhos Livres, diferentemente dos últimos anos, não foi o grande destaque da programação. “A Alegria é a Prova dos Nove” (2023), de Helena Ignez, provocou uma certa divisão na recepção do público, com amores declarados e algum desconforto. O “Cangaceiro da Moviola” (2022), de Luís Rocha Melo, foi uma importante contribuição para documentários que tratam da história do cinema nacional, apesar de ser particularmente burocrático em sua montagem. “Cambaúba” (2022), de Cris Ventura, é uma obra que compreende a particularidade histórica e regional, para transformar a representação social e cultural em uma forma de expurgo do passado.
Mas o grande vencedor da Olhos Livres foi “O Canto das Amapolas” (2023), de Paula Gaitán. Um documentário intimista que consegue atravessar o espectador com a voz materna e ter um grande impacto estético durante sua exibição.
Na Mostra Aurora deste ano, foi possível notar um avanço estético nos filmes dos estreantes. “A vida São Dois Dias” (2022), de Leonardo Mouramateus, é um retrato quase sintético de uma produção brasileira, com seus deslizes, mas uma rigorosa consciência formal. “Solange” (2023), de Nathália Tereza e Tomás Osten, é repleto de afetos e singelos encontros, com uma atuação hipnotizante de Cássia Damasceno. “Cervejas no Escuro” (2023), de Tiago A. Neves, possui muitos altos e baixos, mas possui alguns lampejos com personalidade, ainda que com características incompletas. “Vermelho Bruto” (2022), de Amanda Devulsky, foi uma tocante exibição que compreende a maternidade, a reabertura e o momento contemporâneo do Brasil. O aguardado “Peixe Abissal” (2023), de Rafael Saar, foi uma experiência marcante no Cine-Tenda e arrancou calorosos aplausos do público. O experimental altamente comentado, mas com recepção particularmente negativa, “Xamã Punk” (2022), de João Maia Peixoto.
E o vencedor da Mostra Aurora, que conseguiu cativar o público e a crítica com sua sinceridade estética e reflexiva: “As Linhas da Minha Mão” (2023), de João Dumans.
OS VENCEDORES DA MOSTRA DE TIRADENTES 2023
- Melhor curta-metragem pelo Júri Oficial, Mostra Foco: “Remendo” (ES), direção de Roger Hill.Troféu Barroco.
Do CTAV: Master DCP para curta até 20 minutos
Da Naymovie: Prêmio Edina Fujii – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), equivalente a locação de equipamentos de iluminação, acessórios e maquinaria da empresa NAYMOVIE para serem utilizados em uma única produção
Da Mistika: R$ 6.000,00 (seis mil reais) em serviços de finalização.Da DOT Cine: 2 (duas) diárias de correção de cor.
- Prêmio Canal Brasil de Curtas: “Remendo” (ES), direção de Roger Hill.
Prêmio de R$ 15 mil.
- Prêmio Helena Ignez para destaque feminino: Edna Maria, atriz, “Cervejas no Escuro” (PB).
- Melhor longa-metragem pelo Júri Jovem, da Mostra Olhos Livres, Prêmio Carlos Reichenbach: “O Canto das Amapolas” (RJ), de Paula Gaitán.Troféu Barroco;
Da Naymovie: Prêmio Edina Fujii – R$ 15.000,00 (quinze mil reais), equivalente a locação de equipamentos de iluminação, acessórios e maquinaria da empresa NAYMOVIE para serem utilizados em uma única produção.
Da Cinecolor: 5 diárias de correção de cor.
Da Mistika: R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em serviços de finalização.
Da DOT Cine: master DCP para longa de até 120 minutos.
- Melhor longa-metragem da Mostra Aurora, pelo Júri Oficial: “As Linhas da Minha Mão” (MG), de João Dumans.Troféu Barroco.
Da The End: R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) em serviços de pós-produção (laboratório digital, sync, dailies, conform, correção de cor, animação, composição, 3D e masterização).
Da Naymovie: Prêmio Edina Fujii – R$ 15.000,00 (quinze mil reais), equivalente a locação de equipamentos de iluminação, acessórios e maquinaria da empresa NAYMOVIE para serem utilizados em uma única produção.
Da Cinecolor: 5 (cinco) diárias de correção de cor.
Da DOT Cine: master DCP para longa até 120 minutos.
- Melhor longa-metragem pelo Júri Popular: “A Filha do Palhaço” (CE), de Pedro Diógenes
- Melhor curta-metragem pelo Júri Popular: “Nossa Mãe Era Atriz” (MG), de André Novais Oliveira e Renato Novais Oliveira
- Prêmio O2 Play: “O Estranho” (SP), de Flora Dias e Juruna Mallon.
- Prêmio DOT The End: “As Muitas Mortes de Antônio Parreiras” (RJ), de Lucas Parente
- Prêmio Festival de Málaga: “Idade da Pedra” (SP), de Renan Rovida.