Reprise Mostra Campos do Jordao

Vermelho Bruto

Registros entre dois Brasis

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Tiradentes 2023

Vermelho Bruto

Um dos eventos mais comentados da Mostra Aurora desta 26 edição da Mostra Aurora, sem dúvida, é “Vermelho Bruto”, de Amanda Devulsky, ou como o público do festival estava denominando: o filme de 3h20. 

O documentário procura mostrar a história de três personagens que possuem a maternidade e o período de “redemocratização” imbricados. Como duas coisas que marcam fortemente suas vidas, a diretora propõe um trabalho que reúne registros feitos por essas mulheres, durante o recorte de 85-95 e registros contemporâneos, também gravados por elas. Desta forma, a cineasta parte da proposta que os depoimentos e as imagens de arquivo pessoal, podem explicitar como essas questões da maternidade e redemocratização podem sintetizar parte desse contexto, entre as questões sociais que atingem essas mulheres, o Brasil do recorte e o contemporâneo (2018). 

A forma como a estrutura se desenvolve, compreende uma complexidade na forma como esses recortes compõem o todo. Não por acaso, o espectador se depara com uma cadência que dilata o tempo de suas imagens, permitindo que os depoimentos, em off, possam complementar essa costura de confessionários e registros particulares. A ideia, interessantíssima, só apresenta uma dificuldade para o público, sua lentidão. Isso porque são 3h20 de um filme que não entrega acontecimentos propriamente ditos, mas marcas históricas e íntimas das situações particulares que cada mulher atravessou. Sem vermos os rostos delas com especificidade, não conseguimos distinguir as trajetórias com facilidade, remetendo à uma certa dialética de uma síntese possível. Síntese aqui como em sua definição marxista, ou seja, síntese de múltiplas determinações, a unidade da diversidade. Está claro, que neste caso, concreto, não há como tratar a particularidade para se compreender, por exemplo, o Brasil em seu momento histórico. Mas sem dúvida, é uma questão que permite reflexões, e digressões, abrindo margens para tais movimentos.

De toda forma, “Vermelho Bruto” é um desafio, pois seu ritmo não necessariamente pode ser compreendido como um problema, mas é uma enorme barreira. Alguns momentos, especialmente stills, poderiam ser retirados da versão final, sem nenhum prejuízo. Pequenas alterações poderiam tornar a experiência menos arrastada para alguns espectadores, mas após algumas trocas de percepções em torno do filme, aqui em Tiradentes, foi possível notar que essa opinião não é unânime. Contudo, é necessário dizer que a longa duração do filme, nada tem haver com seu ritmo.

Em alguma medida, a proposta do projeto de definir seus rumos a partir dos registros de seus personagens, faz com que possamos nos aproximar dessas mulheres, mesmo que com o fator limitante de não vermos seus rostos com clareza. Essa intencionalidade pode ser encarada como um parte essencial da experiência, pois ainda que não seja possível compreender as intimidades de forma individual, o processo é horizontal, fazendo com que as histórias e depoimentos possam se aproximar por outras extremidades, que não os acontecimentos, o que reforça a possibilidade de uma leitura de síntese a partir dessas aproximações não-homogeneizante. 

No contexto das eleições de 2018, onde parte desses registros acontecem, fica claro que parte dos debates que são expostos, auxiliam na percepção de que a temática da maternidade e da redemocratização, largamente relacionadas pelas próprias mulheres, especialmente nos depoimentos, não é só uma percepção individual, mas social e política, de um contexto de muitos atravessamentos. 

Entre luta de classes, Brasil, gravidez e redemocratização, “Vermelho Bruto” é bastante ambicioso na dimensão de sua representação, mas encontra alguma dificuldade na argamassa de seu debate. Porém, é inegável que dentro de uma grande quantidade de material dessas mulheres, o filme consegue uma seleção de imagens que são capazes de caracterizar bem o contexto de sua gravação. Além disso, sua grande força se concentra em como conseguimos processar a dialética dessas duas temáticas que norteiam a obra. A percepção é individual, mas Amanda Devulsky tenta iluminar alguns caminhos possíveis, e consegue fazer isso especialmente nos minutos finais, onde a exposição encontra uma chave bastante significativa para encerrar a projeção e provocar algum debate. 

3 Nota do Crítico 5 1

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