Mostra Um Curta Por Dia Marco mes 9

Remendo

Água parada dá dengue

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Tiradentes 2023

Remendo

“Remendo” inicia sua projeção em fragmentos preto e branco, com a música presente e a introdução da situação de nosso protagonista Zé, interpretado por Elídio Netto. Os primeiros minutos chamam atenção pelo ritmo da obra, incessante, repleta de diálogos, cortes e exposições de álbuns e fotografias. 

Essa dinâmica funciona não só como uma introdução, mas demonstra a cadência de uma montagem que não encerra a representação em exposições convidativas, pelo contrário, o filme mantém a velocidade nos diálogos e uma comicidade que não se desgasta no desenvolvimento. Não por acaso, a característica central das tiradas, são ganchos que se utilizam de ditados populares e respostas imediatas. Um exemplo disso é a resposta do protagonista, que completa a frase de sua amiga: “Em casa de ferreiro…, espeto no teu c*”. 

Por essa razão, a câmera mantém o foco próximo de seus personagens, mas a montagem não permite grandes respiros entre os planos, criando uma sequência que tensiona os tempos de tela de seus personagens, ainda que consiga manter a coesão desse encontro. 

A criatividade formal de “Remendo” é particularmente interessante, pois consegue criar enquadramentos econômicos, enquanto concilia algumas experimentações, como quando assume a mudança de cenário durante uma conversa telefônica, modificando também as perspectivas desse registro, mantendo dois personagens no mesmo quadro e atravessando o que parecem ser diferentes momentos da vida do protagonista, além das colagens e retratos. Ou seja, nenhum desses recursos e dispositivos estão ali por acaso, eles cumprem um claro papel na construção desse projeto. 

Entre os zoom e brincadeiras na linguagem, “Remendo” é capaz de ironizar e se referir à cultura popular com muita fluência, seja com “Let it go” com a voz rouca e o cigarro, ou mesmo na hora do sexo tocar “uma vez Flamengo”, o filme consegue desenvolver um complexo drama para Zé. “Porque você insiste em remendar esse monte de coisas que não tem mais jeito?”, é uma questão que o personagem revive com alguma frequência, tentando consertar tudo e se doando aos outros. E quando a ancestralidade e a crença passam a figurar com mais veemência durante a projeção, a transição entre a crítica primária à sociedade capitalista e seu modo de funcionamento é traduzida à necessidade de autocuidado, preservação e manutenção. 

Ao mesmo tempo que “parece que tudo tem data para estragar” e a “água parada dá dengue”, “Remendo” faz um belíssimo movimento final para trazer os símbolos que carrega consigo, o entrelaçamento entre os tempos e a necessidade do movimento. 

4 Nota do Crítico 5 1

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