Reprise Mostra Campos do Jordao

A Tragédia de Macbeth

De Caligari a Shakespeare

Por Bernardo Castro

A Tragédia de Macbeth

“A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cômico que se empavona e agita por uma hora no palco, sem que seja, após, ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muita barulheira, que nada significa.”Macbeth (Ato V, Cena V)

Em “As Dores do Mundo”, o filósofo Arthur Schopenhauer inicia o seu raciocínio dizendo: “Se a nossa existência não tem por fim imediato a dor, pode-se dizer que não tem razão alguma de ser no mundo”. Mesmo que infortúnios advenham de eventos isolados, a desgraça geral é a regra. Esse pensamento surge das tragédias gregas, que eram vistas, diferente das comédias, como representações fiéis da realidade. Inspirado na construção narrativa de uma tragédia grega, surge “A Tragédia de Macbeth”. Baseado na obra de Shakespeare, o longa retrata a ascensão e queda de um nobre escocês, uma vez que, regido pela ganância, vê toda a sua vida desmoronando aos poucos, mostrando o ser humano no limite de sua sanidade mental e princípios éticos – tudo isso representado através de um enquadramento 4×3, um tanto atípico para os padrões do cinema mainstream. Uma colaboração entre o realizador Joel Coen e a A24, este pode ser visto como uma tentativa da produtora A24, conhecida por filmes como “O Mal Não Espera a Noite – Midsommar” (2019) e “Hereditário” (2018), de voltar à gênese do terror no cinema – no entanto, estéril e sem granulado, com uma fotografia em alta definição.

O filme é uma releitura moderna do expressionismo alemão, influenciado desde as transições às portas monumentais e construções faraônicas nos cenários góticos e na direção de arte no geral. Há influência de outros filmes de terror antigos, como A Paixão de Joana D’arc (1926), de Carl Theodor Dreyer e “O Sétimo Selo” (1959), de Ingmar Bergman. A inspiração não se limita à estética preto e branco e no trabalho de cenografia, estendendo-se ao uso bem trabalhado do chiaroscuro. O uso da técnica oriunda da pintura renascentista é uma das principais características da vertente do cinema alemão e é magistralmente aplicada pelo diretor. Os personagens mergulhando na sombra ao mesmo tempo que cedem as forças da escuridão e da imoralidade. A cena de Denzel, por exemplo, entrando na sombra, sucumbindo ao lado negro enquanto dirige-se aos membros da corte para justificar-se consegue deixar qualquer um atônito. Adaptação fidedigna da peça, os textos originais são lidos na íntegra pelos intérpretes. Há um que de artificial nas performances, gerando um possível estranhamento por parte do espectador comum. A priori, sente-se que a linguagem teatral e as falas decoradas não foram bem adaptadas para as telas – as atuações encontram-se em algum ponto entre a dramaticidade teatral shakespeariana e o amadorismo inerte e sem vida de Robert Bresson.

Com o tempo, as interpretações vão ganhando novas nuances dramáticas que dão vida aos personagens e aumentando o envolvimento com a trama. O elenco é de peso, com destaque para Frances McDormand, que recentemente levou a estatueta de melhor atriz pelo renomado “Nomadland” (2020), e o ator veterano e premiado Denzel Washington, que incorpora o próprio Macbeth. Denzel entrega uma performance incrível e traduz a corrupção moral e a entrega para a insanidade – o filme tem um timing perfeito para mostrar Macbeth cedendo à loucura e à avareza. Francis McDormand, mais uma vez, entrega uma atuação digna de premiação. Há uma certa química entre Denzel e Frances – o que é de se esperar de dois dos melhores atores de Hollywood na atualidade. A sonoplastia é fantástica. Em seus derradeiros momentos, podemos ouvir os passos de Siward gradativamente aumentando junto com a tensão. Há uma certa assepsia no som, com cada ruído sendo notado pela reverberação que ganham nos átrios imensos das locações.

Antes de qualquer coisa, “A Tragédia de Macbeth” é um retrato dos insólitos arranjos e rearranjos da sorte, a ambição do homem e a edipiana impossibilidade de fugir do aziago destino. No ápice do arco narrativo, o simbolismo na forma como, antes de ser decapitado, Macbeth pega a coroa, simboliza o quanto a sede por poder o cegou dos perigos e o temor pela própria vida em detrimento de qualquer outra coisa. A proposta do filme é difícil de ser compreendida e, como dito parágrafos acima, repele o espectador com suas falas engessadas. Todavia, uma vez compreendida a proposta, é mais do que evidente a beleza na adaptação de uma peça teatral para o audiovisual, com ênfase na fotografia assustadoramente brilhante, com seu jogo de sombras, e na atuação excêntrica – porém espetacular, por parte dos protagonistas.

4 Nota do Crítico 5 1

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