Zona de Confronto
Ódio institucional
Por Vitor Velloso
Durante a cobertura do Festival de Locarno, deparei-me com um comentário que comparava “Il Legionario”, de Hleb Papou, com “Zona de Confronto”, de Anders Ølholm e Frederik Louis Hviid. A comparação é um tanto tendenciosa e diz menos sobre a forma e mais sobre como o texto enxergava a temática da brutalidade policial enquanto “problema sistêmico moderno”. A visão européia dessa violência institucional é algo curioso e colocar os dois filmes lado-a-lado, não é um absurdo como um todo, mas demonstra uma falta de rigor na análise da legalidade dessa opressão.
Algumas coisas unem os longas, é verdade: o racismo explícito, o ódio aos imigrantes e a legalidade dessa repressão através do argumento que as “periferias” guardam os males urbanos. Ou seja, a classe dominante opera suas investidas contra a população necessitada através da polícia. É claro que essa estrutura odiosa é mais complexa que uma crítica pode comportar, porém no filme de Papou, essa figura da burguesia aparece na íntegra, próximo ao fim da projeção, já em “Zona de Confronto” a questão possui outra forma. Se por um lado esse racismo aparece de maneira ainda mais direta e conflituosa, por outro o projeto dilui o problema estrutural à uma figura verdadeiramente monstruosa, Mike Anderson (Jacob Ulrik Lohmann) e não desenvolve como a figura do Estado está aliada aos interesses do grande capital.
Por essa razão, fica claro que o maior interesse de Anders Ølholm e Frederik Louis Hviid não é criar um diagnóstico, mas sim utilizar-se da temática para fazer uma ação de cerco, onde a sobrevivência é o foco e os dois policiais protagonistas Mike e Jens Hoyer (Simon Sears) precisam sair de um local onde suas vidas correm perigo. O motivo: a morte de Talib Ben Hassi, vítima de uma abordagem brutal da polícia, é anunciada e os agentes estão no local de maior fervor das manifestações contra a instituição. Como uma ação pragmática, onde as tensões vão crescendo e o sentimento claustrofóbico vai sendo dinamizado pela câmera na mão, ágil e sempre frenética, funcionando bem. Mas existem algumas variações no ritmo da narrativa que podem acabar tornando o filme mais cansativo que faz parecer. Isso porque a construção inicial é relativamente eficiente em conseguir colocar os protagonistas em um conflito político que cria uma dicotomia a partir da notícia que está sempre correndo à trama: Ben Hassi. E por mais que os primeiros trinta minutos sejam mais lentos que os demais, é ali que o espectador vai compreendendo algumas ações dos personagens, suas vidas, opiniões etc.
Algumas sequências durante essa articulação são tensas e voláteis, em especial pela imprevisibilidade de Mike, onde a câmera se aproxima de suas ações, dos olhares, dos gestos agressivos, como puxar a cueca de um jovem para “ver o que ele tinha ali”. Mas o crédito não é apenas dessa objetiva que nunca se sacia, Jacob Ulrik Lohmann faz um bom trabalho nessa imposição, a própria cena da cueca, seu gesto de abaixar a calça com um pisão, mostra como seu ódio é volátil. Ainda que tudo isso funcione a favor de uma obra que sabe exatamente como inflamar e usar a dimensão, e a falta de percepção dos espaços, para isolar os personagens em situações cada vez mais limítrofes, algumas escolhas esquemáticas acabam pesando contra. Tanto a recorrente exposição da aliança, quanto algumas intrigas dramáticas que burocratizam um processo que se propõe ao gatilho pragmático.
“Zona de Confronto” é sólido e consciente de como articular essa lenta queima de uma ação que vai se intensificando com o passar do tempo, contudo algumas necessidades mercadológicas acabam levando as coisas para um lugar comum: com brigas físicas entre os policiais, reconciliações e tentativas de redenção na base do choque (toda a trama que envolve Sami). Aí as coisas acabam degringolando e se tornam menos criativas. Não funciona muito bem como proposta de discussão, mas tem seus méritos como ação.