THF: Aeroporto Central
Sonhos em Quarentena
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Berlim 2018
Quase podemos concluir que o diretor brasileiro Karim Aïnouz (de “Praia do Futuro“, “Abismo Prateado“, “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo“), radicado em Berlim, é um cineasta aeroporto, por causa de sua obsessão (assumida em entrevistas públicas, inclusive ao Vertentes do Cinema) por estes lugares transitórios, que se comportam como um portal tridimensional que separa partidas e chegadas, sonhos e expectativas, medos e projeções, ansiedades e necessidades. É um torpor paralisante que desencadeia sensações e sentimentos que não conseguimos identificar.
Uma das características de suas obras é o tema do abandono, até mesmo a seus familiares a fim de vivenciar de forma plena, quase egoísta, os anseios mais internos e primitivos contidos e acordados no âmago mais profundo da alma humana.
Se antes Karim abordou seu gosto inclinado na ficção “O Abismo Prateado”, no Brasil, durante uma madrugada, agora, em seu mais recente filme, o documentário “THF: Aeroporto Central” investe doze meses (de junho à maio – em estações climáticas) para traduzir percepções sobre o aeroporto Flughafen Berlin-Tempelhof, desativado para voos, que foi ocupou o serviço regular em 1923, período do Reich alemão de Adolf Hitler, fechando-se ao público em 30 de outubro de 2008.
“THF: Aeroporto Central” é uma homenagem, um documento de um imigrante sobre este cartão postal que continua símbolo das ideias socialistas por aceitar e integrar refugiados, estes que permanecem um tempo de adaptação e observação. É inevitável não referenciar aos imigrantes que iam a América (e ficavam um período quarentena até serem considerados aptos, saudáveis e aceitos nos Estados Unidos) quando assistimos aos procedimentos. O mundo não mudou. Apenas adaptou-se de forma mais humanizada.
O documentário passeia por estes vidas que estão no estágio à moda de Tom Hanks no filme “O Terminal”, de Steven Spielberg. Cada um deles aceita a “melhor vista do mundo”, a sensação de liberdade de uma existência melhor com um garantido futuro e tranquilidade de terem conseguido sair de suas guerras.
“THF: Aeroporto Central” inicia-se com uma voiceover de uma visita guiada, turística ao aeroporto que foi “base americana em 1945”. Nós espectadores somos inseridos ao local, conhecendo particularidades e detalhes exclusivos, conjugada com uma típica música-hino socialista e um drone que ora vai ao panorâmico, ora ao específico da câmera próxima que aproxima e acompanha seus personagens, em especial seu protagonista sírio Ibrahim Al Hussein, de dezoito anos.
É um estudo de caso, de antropologia cultural-social, que traduz sentimentos e comportamentos, como uma submissa solicitude vulnerável condescendência para se transformar em força, coragem e adaptação. O cotidiano do hangar (na República Federal da Alemanha) é um mundo único, de espera, de abrigo, com horário para dormir (com luzes apagadas), com procedimentos de entrada, de vacina, de corte de cabelo, exames médicos, aulas de alemão. A narração conta a própria história, a pessoal emoção deste jovem sobre seu passado e sobre o “verão quente” de sua terra natal contrário ao clima ameno da “dignidade” que encontrou no agora.
Em “THF: Aeroporto Central”, não há entrevistas clássicas, e sim retratos (em movimento – ora até interpretados com a presença desconcertante da câmera) de conversas, momentos vividos e de detalhes (como a camisa “I love Berlin”, como o narguilé, como a reclamação de um sobre a quantidade de cinco pessoas no quarto). Quando adaptados, novos problemas são criados. “Seremos famosos um dia?”, pergunta-se. Sim, neste exato momento, em uma grande tela de cinema em Berlim para jornalistas e público de todo o mundo. Este é o objetivo do gênero documentário: perpetuar histórias e olhares (como a de criança à câmera – conservando sua esperança à moda de “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni).
É também um filme sobre tolerância, de convivência com estas vítimas da sociedade. Os funcionários, pacientes, compreendem e ensinar os limites, deficiências, tédios, tempo livre, necessidades de diversão e dos vícios lícitos (o cigarro) deles. “Quando todos vãos, as raposas aparecem”, diz-se. Entre árvores de natal, Papai Noel, shows típicos locais de fim de ano, fogos de artificio, a ópera do novo ano dá uma nova esperança de serem “refugiados sem proteção” (de não serem mais enviados para “casa”) e sim integrantes em tempo real de um país que os acolheram. “THF: Aeroporto Central” é a jornada da esperança. De antigos veteranos e novos perdidos, estes últimos nos dando tensão, pena e um sentimento despertado em ajudar. Nos tornamos mais humanos. São abelhas fazendo o mel. Andorinhas fazendo verão. E assim, aliviar ao máximo o desejo de rever a família.
O diretor Karim Aïnouz passou um ano seguindo esses homens em busca de um lugar que eles podem chamar de casa. As imagens sensíveis e bem compostas do filme capturam suas vidas que são moldadas pela incerteza, o estresse e a angústia, mas também a alegria e as aspirações. A arquitetura do edifício e as estações de mudança aumentam a dimensão surreal. Um retrato de uma cidade dentro de uma cidade que também é um instantâneo da Europa entre a utopia e a crise.
Assista também: “Os Aeroportos de Karim” (clique aqui), vídeo-entrevista produzido durante o Festival de Berlim 2018.
O filme estreia nas plataformas de streaming na sexta-feira, dia 24 de abril. O filme estará disponível no Now, Vivo Play, Oi Play, Itunes, Google+, Filme Filme e Looke. O longa estava previsto para estrear nos cinemas brasileiros dia 26 de março, mas devido à pandemia de COVID-19, a Mar Filmes e o Canal Brasil decidiram lançar o filme direto em VOD.