Wonka
Melhor que imaginava
Por Fabricio Duque
Preciso confessar, ainda com vergonha, que fui assistir a nova versão sobre Willy Wonka com os meus dois “pés atrás”. Previamente, na minha cabeça, acreditava já saber que “isso não poderia ser bom”. Mas o poder do Cinema sempre nos surpreende e, sim, essa é a grande maestria da sétima arte, e assim, fui “pego”. É, pois é, “Wonka” é uma obra que consegue capturar o público ao evocar uma mise-en-scène de fantasia orgânica por despertar uma nostálgica memória afetiva dos filmes antigos, estes que traziam uma genuína pureza existencial. Talvez isso se explique por causa de seu gênero musical. Vivenciávamos uma esperança inocente no mundo em que estávamos. O longa-metragem é um resgate desse cinema mais inocente e mais fiel à atmosfera do livro “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, escrito, em 1964, pelo galês Roald Dahl. Se nos filmes anteriores (o de 1971, dirigido por Mel Stuart, e o de 2005, dirigido por Tim Burton), a história girava em torno de Charlie, um dos sortudos, ganhador do ticket dourado, que permitia visitar a fábrica de chocolate mais hype do mundo (e, por conseguinte, “educar” crianças “mimadas” – os “pequenos tiranos”), em “Wonka”, a trama quer contar o início de Willy Wonka, o antes de se tornar conhecido. É o que chamamos de prequel.
“Wonka” apresenta-se como um conto-de-fadas de situações, em que o objetivo de cada reviravolta é reafirmar não só a não desistência de Willy Wonka no meio de tanta adversidade, mas também seu comportamento de sempre visualizar algo positivo em tudo. A narrativa constrói um universo mágico, em que a imaginação surrealista se torna possível, realista e personificada, fazendo dele uma versão de “Mary Poppins”, também musical, dirigido por Robert Stevenson e também de 1964. Aqui, nós espectadores somos conduzidos a um universo de referências cinematográficas, como a paleta de cores da fotografia (e os cortes da edição) com um que de Wes Anderson, e/ou nos números musicais, em Paris (olha uma curiosidade: o protagonista, Timothée Chalamet, nasceu na França), por exemplo, que a imagem fica Rosa, lembrando “Os Guarda-Chuvas do Amor”, de Jacques Demy, também de 1964 e também musical. E/ou quando o submundo do filme parece encontrar o mundo de Tim Burton.
Neste, o filme quer a metáfora do sonhar pela fluidez da câmera. De transpor a proibição da felicidade com o tom otimista da crença absoluta que todas essas barreiras e hostilidades de uma sociedade cruel representam estágios de crescimento e não de prisão. Assim, todos os perigos viram aventuras e experiências que darão a Willy Wonka todas as sutilezas do conhecimento para criar seus chocolates únicos. Ele, com empatia, discernimento, ingenuidade e sem nunca reclamar de nada, enxerga os detalhes mais escondidos da alma humana. É como se ele colocasse nos doces (seus chocolates simulam ilusões) o de mais intrínseco o que cada ser humano deseja. É um mágico. Ou utiliza poderes sobrenaturais. Ou é apenas alguém que enxerga o próximo com um atento olhar. “Wonka” é uma jornada “esquisita” de sobrevivência, entre “síndrome de órfãos” e “miseráveis” e seus golpes, à moda de Victor Hugo. Um filme musical com cenas ensaiadas e sincronizadas. É, o filme bem que poderia cair no cliché e na caricatura, mas não. Seu realizador britânico, Paul King (de “As Aventuras de Paddington”), que também escreveu o roteiro, ao lado de Simon Farnaby, busca seguir pelo caminho mais naturalista e adulto, como por exemplo, quando Willy Wonka tem seu primeiro contato com Oompa-Loompas, os “homenzinhos laranjas”, que roubam doces, mas só agem assim por tradições éticas.
Assim, ”Wonka” é um épico humanizado e altruísta de um começo e seus desdobramentos on the road (a prisão escrava e a cobrança pelos “privilégios”; a confiança na bondade dos estranhos; as técnicas de convencimento; as balas de acácia para girafas; o sacrifício pelos outros; as frustrações; a revolução contra os espertos; clérigos “viciados” em chocolates; ). Como já foi dito, tudo serve como material bruto às criações-invenções achocolatadas (porque “ninguém comeu um chocolate como esse”), trazendo às vezes flashbacks do passado em flip book. Qual o ingrediente secreto do chocolate de sua mãe? ”Wonka” é um filme de lembrança. Que troca a relação com o pai (dos outros filmes) pelo laço materno. De que quase nunca conseguimos nos libertar dos cordões umbilicais da família que recebemos ao nascermos. A maestria deste filme está no preciso humor, tipicamente inglês (e de tolo propósito recíproco), de arrogância subalterna. De confiança vulnerável. E de atitude impulsiva (às vezes, sem critérios). E está também nas ações (“melhor que imaginava”), de pequenos protestos radicais contra o cartel (concorrência desleal) das fábricas de chocolate, quase um “Esquecera de Mim”, com toques metafóricos de “Cruella”.
Sim, é por isso que ”Wonka” ganha o espectador, por criar uma ambiência despretensiosa de reações situacionais. Não há aqui a necessidade de “marcar território”, tampouco ser melhor ou pior dos filmes anteriores, o que “Wonka” quer mesmo é personificar a magia na tela. Com músicas, logicamente com muitos momentos sentimentais de auto-ajuda, mas nunca sem exceder o limite com pieguismo e com manipulações emocionais ao traduzir a mensagem maior de que todos possuem qualidades e que não se precisa definir explicação. E é claro por seu elenco potente, que inclui Hugh Grant, Olivia Colman e até o eterno Mister Bean, Rowan Atkinson. Sim, uma surpresa melhor que eu imaginava.